Num dos pontos mais altos do reino de Buburssusso, a mais de mil e quinhentos metros de altitude e empoleirada no pico de uma montanha, fica a povoação de AITUHA.
Fortaleza natural, rodeada de penedos que a defendem como se fosse um castelo medieval, a povoação como todas as outras desta zona, e um aglomerado de casas feitas de bambu, que apenas difere das demais porque e a residência de uma lenda viva, única em Timor.
Desde muito cedo me apercebi que o povo de Buburssusso era diferente do restante povo dessa zona, principalmente pela tonalidade da sua pele. O Liurai Funo Berek era homem para os seus sessenta e tal anos, mas apesar da sua idade ainda corria a cavalo, como se fosse um homem de quarenta.
Sabedor que existia ali uma mistura de sangues procurei saber, mais por curiosidade, de onde lhes vinha essa mestiçagem.
Interrogado mostrou-se evasivo, e começou por dizer que o seu povo era mesmo assim, que como rezava a historia tinham vindo de We Hali, We Sei, We Bico e We Tama, e bla, bla, bla, que fingi acreditar. Tentei então novos caminhos e de pergunta em pergunta fui cercando a verdade, ate que sem maneira de fugirem a ela, me propuseram uma visita a povoação de Aituha.
Porque a povoação de Aituha, perguntei? A resposta foi simples e desconcertante: Foi ali que tudo começou.
Fomos a cavalo porque ainda era longe de Oro Lora, local onde nos encontrávamos e depois de um aprazível passeio por entre hortas e plantações de bambus, começamos a subir ladeados de pedregulhos para a povoação de Aituha.
Como nesta zona se fala o Lakalei um ramo da língua Idalaca, que eu a não sei falar tive de usar um tradutor do Lakalei para o Tetum.
O chefe da povoação era um antigo soldado do esquadrão de cavalaria de Bobonaro, de seu nome João Freitas, que logo se prontificou a ajudar-nos
no nosso objectivo, e nos levou directamente, com um aparente sentimento de alivio para junto de um “lian nain”.
Este era um homem bastante alto, mais alto do que a media Timorense, de pele branca com bastantes sardas no rosto, olhos claros, e cabelo já branco mas com aspecto de ter sido alourado.
Se era estranho o facto de encontrar no alto desta montanha perdida no interior de Timor uma pessoa como esta, mais estranho seria talvez o como isso teria acontecido.
Depois de uns momentos de estupefacção as perguntas começaram a afluir a minha mente em catapultas e tive de fazer um esforço para controlar a minha ânsia de saber.
O povo de povoação começou a pouco e pouco a sair das suas casas e a juntarem-se a nos e pude constatar que olhos claros e pele com sardas alem de cabelos alourados não eram só os do velho lian nain. Raparigas que eu nunca vira e velhotas todas elas apresentavam fortes indícios de mestiçagem. E aqui começa a LENDA.
“Tempo houri uluk.....” E começou tudo de novo, viemos do We Hali We Bico ......bla.....bla....bla.....Tive que cortar e explicar que não era essa a historia que eu queria ouvir, mas o porque da diferença racial entre o povo de Aituha e do resto de Timor. Então muito a custo a Historia tornada lenda saiu das brumas do passado, um passado que essa mesma lenda procurava desesperadamente esconder.
“Certo dia as mulheres foram buscar agua a nascente que havia por debaixo da povoação a uns dez minutos a pé, e quando lá chegaram viram no fundo da nascente uns espíritos de pele branca. Com medo fugiram, mas os espíritos chamaram-nas e a pouco e pouco elas foram-se aproximando de novo. Quando olharam novamente para esses espíritos eles riram para elas e elas ficaram também com os cabelos os olhos e a pele da mesma cor da dos espíritos.”
Era a LENDA VERDADEIRA, pois que lenda era ela e verdadeira também.
Era bem visível aquilo que os espíritos de pele branca tinham feito.
Essa era a verdade.
Fiquei na duvida se seria honesto da minha parte aprofundar mais o problema uma vez que esta lenda nascera por ventura de uma necessidade de ocultar a realidade dos factos.
“Viagens por esse Timor fora”
Manuel Mau Kruma