sexta-feira, 31 de agosto de 2007

TIMOR E A SOLIDAO

Estou sem inspiração mas quero escrever em verso alguma coisa sobre Timor.

Algo que me liberte e me tire o peso do coração, uma boa noticia, será possível ou não?
Nada de política, nada de desgraças, nada de soberbas nem de tiros.

Mas uma névoa sentida de amor, e carinho que distancie da terra amada, toda a pulhice e sangria.
Uma nuvem de veneno puro e gostoso que limpasse o mal cheiroso, a maldade e o
desespero.
Que desse a Timor o caminho maravilhoso das estrelas e constelações cheia de milhões de anos de luz e salva de complicações.
Mas a porcaria da inspiração não me vem, e eu nesta solidão, nesta confusão de soberbas e de tiros desisto.
E engulo o tal veneno puro e gostoso.
Mau Lear

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

UMA VIAGEM DE CAMIONETA PELAS MONTANHAS DE TIMOR


A viagem foi longa e perigosa.
As estradas, se assim se poderiam chamar esses caminhos pedregosos e cheios de buracos, serpenteavam montanha acima, em apertadas e perigosas curvas, flanqueadas por profundas e abruptas encostas. A camioneta uma velha Bedford conduzida por um velho condutor chines arquejava estrada acima e eu, tinha a sensação de que ela, era mais larga do que a estrada. A grandeza abrupta da paisagem tornava-nos seres minúsculos e desprezíveis mas valentes, pela coragem que era necessária, para conduzir um pedaço de ferro enferrujado, como o fazia o condutor china e pelos que sentados ao seu lado se agarravam desesperados a qualquer apoio, na esperança de que, se algo de errado acontecesse, seria essa a salvação.
O padre que ia sentado do lado de fora, (eu sentava-me entre ele e o condutor) dava-se ares de valente e, apesar do seu sorriso ser amarelo, gozava à grande, do ar pálido do meu rosto. Eu tinha o meu estômago transformado num novelo de linhas, mas, o próprio medo fez-me reagir e repararei então que o padre em diversas ocasiões punha a mão perto do manípulo da porta, preparado para o pior. O auge de toda esta epopeia, foi quando numa subida de quase noventa por cento, surgiu uma curva em cotovelo, onde o velho veículo teria de fazer manobra, porque a amplitude do arco descrito pelas rodas não chegava para completar a curva. Do lado esquerdo da estrada, a bocarra negra do precipício, parecia esperar que a atracção pelos abismos, produzisse efeito e pagasse a portagem pela nossa coragem e atrevimento. A velha Bedford parou num inverosímil e precário equilíbrio, com todos os travões accionados. Lentamente, o experiente condutor, começou a deixá-la descair em marcha-atrás na direcção do abismo, para depois numa manobra rápida e arrojada arrancar de novo, conseguindo completar o quase circulo da curva, roçando ainda com o guarda-lamas do carro nas faldas da montanha. Eu estava aterrorizado, mas o padre, estava mais pálido do que eu, tinha os lábios a tremer, como se estivesse a rezar, é que estando à janela da camioneta via lá nas profundidades dos penhascos, os contornos do fundo do inferno.
Depois de muitas curva e contra curvas de arrepiar, chegámos por fim ao alto da cordilheira. O ar era fresco e tornava a respiração ofegante. O carro parou como que para tomar de novo alento para o resto da viagem. Tinha aquecido demais, dizia o meu herói, que era sem dúvida o velho condutor chinês. Estávamos quase no topo de Timor. Deste local apenas se avistava os sopés e encostas das montanhas escaladas, e se em baixo nos sentíramos pequenos, cá em cima, sentiamo-nos verdadeiramente impotentes para compreender como poderia tanta grandeza existir sem o espírito de Deus. Para cima de nós pouco mais haveria.
Depois foi a descida. Vales, viçosos e verdejantes, hortas bem cuidadas como só o sabem fazer os povos das montanhas, ribeiras sem pontes, onde a camioneta qual gigantesco sáurio mergulhava resfolegando, deixando o meu coração pequeno de medo, descidas algumas vezes medonhas, mas até Dili nada mais foi como a subida das montanhas que tínhamos feito anteriormente.
- Tiveste medo da subida? –Perguntou-me o Senhor padre, já mais senhor de si.
- Muito medo! – Anui eu com vontade de lhe dizer que o meu medo e o dele tinham sido iguais.
- Então estás com sorte porque a descida daquelas montanhas é muito pior que a subida.
Fiquei calado pois que recapitulando mentalmente o que tínhamos subido, achei que ele teria forçosamente razão.
Ao fim de quase cinco horas de ser amassado dentro do monstro de chapa que nos transportava, chegámos ao alto de uma montanha donde se via o mar e Dili. O Senhor padre pediu ao condutor que parasse, com o intuito de urinar no meio do mato.
Desci do carro e reparei então. Em baixo junto do mar a cidade espionava por entre as folhagens de frondosas e milenárias árvores, qual donzela envergonhada, em demanda do seu bem amado. Não se podia ter uma noção real da sua grandeza mas a planície por onde se espraiava era bastante extensa. Bem perto do mar e destacando-se dos outros edifícios, estava um que pela sua altivez, se impunha, era o palácio do Governo. Um pouco mais à frente e mais para a esquerda estava o cais que primava nesse momento pela ausência de qualquer barco.
Dili vista de cima, não era nem por sombras tão bonita como era na realidade.
Continuámos a descer e passámos por um grande tanque de água que parecia uma piscina. O Senhor padre disse-me então que, um pouco mais para cima desse local, ficava o Seminário que eu talvez um dia viesse a frequentar. Descemos, descemos sempre pela estrada de terra batida até que já se sentia o cheiro da cidade. O primeiro contacto com a Praça, como era uso chamar-se a Dili, foi quando chegámos ao que o Senhor padre me explicou ser o palácio do Governador. Era lindo, com um grande tanque de água mesmo em frente. O edifício tinha dois torreões, um de cada lado da entrada que era servida por uma escadaria descendo para o Jardim. O Palácio estava pintado de branco e a sua alvura contrastava com o verde das folhas e o vermelho das acácias que o circundavam. Mesmo por cima da porta o escudo Português, que eu tinha estudado na quarta classe e por cima deste a bandeira de Portugal.
O palácio era rodeado por jardins e um gradeamento que terminava na casa da guarda com dois grandes portões em ferro. Tudo isso era bem diferente dos locais onde eu nascera e me criara!

(in “Buan”)

mco

domingo, 19 de agosto de 2007

UM BAZAR ALGURES EM TIMOR

No Bazar, – mercado – as bancas, eram panos, ou esteiras estendidas no chão, onde se vendiam principalmente produtos agrícolas, mas onde não se fiava a ninguém como nos chinas. As bancas encontravam-se alinhadas pela direita, bem vigiados por um sipaio de vara na mão, pronta a castigar os incautos que se atrevessem a desrespeitar as regras da disciplina que todos tinham de acatar. Como excepção a essa regra só os milhões de moscas e moscardos que, voando em nuvens, provenientes das largas dezenas de cavalos de carga, presos perto do local, atacavam teimosamente os olhos dos seres vivos. Quando digo seres vivos, os porcos presos por uma pata e de grunhido permanente, os galos altaneiros esperando pela hora da luta, ou os esqueléticos cães com uma coleira de corda ao pescoço, continuada por um pau para que não pudessem roer a corda, além dos frangos e galinhas amarrados pelas patas e pendurados de cabeça para baixo, esses, também eram seres vivos, não sendo menos molestados que os humanos.

Mas, o Bazar, apesar da disciplina imposta pela vara do sipaio tornava-se num pandemónio, logo após o toque da sineta, que autorizava o começo das transacções.

Era o ataque geral. À força de cotovelos, e empurrões, sem respeito pelas regras de trânsito, onde se via bem explicita a lei do mais forte, ansiosos de serem os primeiros a chegarem aos artigos que queriam comprar, os compradores, furavam e debatiam-se, numa competição que servia de pretexto, para o aumento dos preço, dos produtos expostos.
O anterior, quase se pode dizer, silêncio, era substituído por uma algaraviada de vozes, sotaques e dialectos, já não falando dos gritos e insultos, que tornava o bazar numa autêntica torre de Babel.
Eu estava notoriamente aturdido com tanta barafunda. Um dos moradores, corajosamente, depois de dizer que já voltava, enfiou-se destemidamente no meio desta batalha campal e depois de algum tempo, surgiu ileso, com um atado de tabaco, de cor amarela acastanhada e que na opinião dos entendidos, era o de melhor qualidade, pois tinha vindo do Suai, um outro Concelho, longe do nosso.
Eu, como estava com medo, que alguém me reconhecesse e lançasse o alarme, disse aos moradores que deveríamos continuar a nossa viagem, até ao nosso destino, destino esse, que eu tanto desejava e que, pelo seu imprevisto, tanto temia.

Afastamo-nos então desta contenda que tinha abrandado em violência, mas não na chinfrineira e, começamos a subir, o íngreme caminho empedrado que nos conduziria para a residência, ou melhor dizendo, para o complexo residencial e repartições públicas, da sede do Concelho.
O ambiente que existia no cimo da subida era totalmente diferente, daquele que tínhamos deixado havia poucos minutos.

A limpeza das ruas bem cuidadas, com frondosas árvores e jardins vicejantes, onde o verde de diferentes cambiantes, contrastava com a brancura imaculada das paredes das construções estilo colonial que os rodeava, um silêncio profundo que dava para ouvir o chilrear dos pássaros que em pequenos bandos, esvoaçavam de árvore em árvore pousando aqui e ali, à procura, gulosos, das afogueadas flores das acácias rubras, para depois de saciados e de novo juntos, tentarem em voos rasantes, plagiar o esvoaçar das nuvens de moscas que tínhamos deixado para trás.

Tudo era lindo e ordenado. Ali estava a escola, a secretaria do Concelho, a pousada, tudo ajardinado e o que mais me interessava, num extremo, a residência do Administrador, contraposta ao hospital que se distinguia ao longe.
Respirei fundo, enchendo os pulmões deste ar rarefeito que me fazia sentir mais leve e feliz por estar aqui.

(in “Buan”)

mco

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

LENDAS E LEGENDAS




Caro amigo Mau Lear ao procurar noticias sobre Timor dei com o seu blog e como amante de tudo o que diz respeito a essa Terra “que o sol nascendo vê primeiro” não resisti a tentação de dar uma vista de olhos pelo que estava escrito nele. Gostei. Sei que vai ter dificuldade de sobreviver pois que as pessoas muitas vezes não se interessam pela calma literatura sem política e contestação a mistura, mas talvez se os escritos aceites por si forem fora do contexto político, ao fim de algum tempo as pessoas se interessem em escrever umas linhas. Comigo pode contar incondicionalmente, e para começar ai vão umas historietas:


Todos os que se interessam por assuntos de Timor sabem que existem alguns itens que estão desde sempre ligados a sociedade tradicional Timorense, o galo e a luta, o cavalo e as corridas, as suriks etc.etc.etc.. Todos eles tem uma forte ligação a personalidade TIMORENSE.
O Galo e o companheiro por excelência do homem timorense e acompanha-o sempre nas suas saídas, quer para festas tradicionais, quer para os bazares. Ele e a representação do espirito guerreiro do seu dono e esta sempre pronto a morrer por ele e este, revê-se na sua valentia.
Quando a “tara” volta suja de sangue e penas do adversário, e o delírio e quando o adversário morre ou foge e o “Bidu,” o mesmo, com que, em tempos de antanho, festejavam as vitorias sobre os seus inimigos.
Alem do galo, o cavalo e de uma importância crucial na vida e economia de Timor.
Como poderíamos conceber a sociedade Timorense sem cavalo?
Como ir ao Bazar por montes e vales, para trocar produtos, especialmente da terra, por outros produtos necessários ao dia a dia ?
O cavalo na vida do Timorense e alem do factor riqueza também uma necessidade das mais prementes para a sua sobrevivência.
Estes animais pequenos de corpo, mas de uma resistência de ferro, ao longo dos tempos influenciaram definitivamente a vida, no transporte de pessoas e bens, no trabalho pisando os campos de arroz e muitas vezes nas competições, como corridas tradicionais, enriquecendo o seu dono ou levando-o a miséria .Queria contar aqui algumas historias de cavalos que mudaram quase radicalmente a vida dos seus donos
.



A historia do Cavalo LEKEDE


A historia do cavalo LEKEDE e bastante antiga, talvez não chegue aos cem anos mas deve andar perto dos sessenta e tais, para mais. Nesse tempo era Liurai de Fatu Mean um mestiço chinês chamado Nai Klara. Ele era um jogador mas era também um homem muito esperto.
Contava-se que era o chefe do grupo de salteadores que roubavam do outro lado da fronteira (Indonésia) o gado balines que se desenvolvia nas regiões limítrofes do seu suco.
Dizia ele a boca cheia que os Holandeses tinham introduzido o gado balines na Indonésia e que ele o tinha introduzido em Timor (roubado).

Nessa época havia em Betun, do outro lado da fronteira, um regulo que tinha um grande antagonismo com Nai Klara, esse regulo possuía um cavalo muito rápido, mesmo imbativel e desafiou Nai Klara para uma corrida de cavalos.
Haveria uma aposta forte em dinheiro, gado bovino e cavalar entre os dois liurais e também entre o povo.

Nai Klara tinha bons cavalos, ele era um amante desses animais, mas não tinha nenhum que se pudesse bater com o outro cavalo, ele sabia isso, no entanto ele aceitou o desafio.
Mensagens para ca mensagens para lá, a aposta ficou concluída e o dia da corrida marcado. Ficou acordado a pedido de Nai Klara que haveriam duas corridas, a primeira do outro lado da fronteira e a segunda do lado do Suai.

Ora Nai Klara tinha dois cavalos brancos, irmãos, igualzinhos e enviou para a corrida um deles de nome LEKEDE.
A corrida não era feita em pista circular mas em corta-mato de um local ate outro, com alguns quilómetros de distancia, o cavalo de Betun, ganhou com um avanço muito grande.
Nai Klara perdeu e pagou a sua aposta. O povo do Suai pagou também a sua divida ao povo de Betun sem pestanejar.
E durante uma semana o povo de Betun veio a Suai cobrar a divida e levou gado e bens para o outro lado da fronteira.

Nai Klara fez-se esquecido sobre a segunda corrida ate que passados dois meses o Liurai de Betun, de novo, quis marcar a corrida no Suai.
O Liurai e o povo de Betun apostaram tudo o que tinham, em gado e dinheiro, com a ganância de ganharem toda a riqueza do povo do Suai.

Na data aprazada, o povo de Betun invadio o Suai, para começarem a cobrar a divida logo após a corrida, pois seria impossível eles perderem a competição.
Começou a corrida e o cavalo do Liurai de Betun ganhou logo a dianteira ate desaparecer de vista, nessa altura o Liurai Nai Klara mandou o cavalo branco que alinhou na partida voltar para Fatu Mean. O cavalo branco era o irmão gémeo do Lekede, e este encontrava-se escondido num bosque, perto da meta final. Quando o cavalo de Betun se aproximou ele saiu do esconderijo e ganhou a corrida.
O povo do Suai entrou em Betun e trouxe toda a riqueza desta zona para casa.

Esta historia não e uma lenda, aconteceu na realidade, eu conheci pessoalmente o cavaleiro do LEKEDE, já bastante velho e de corpo pequeno e franzino. Em Betun afirmaram-me que depois da corrida do LEKEDE nunca mais aquele povo foi rico.


mco.