quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Recordações são saudades…



Tive ontem notícias de um velho amigo que está em Timor. Recebi dele um pequeno cartão-de-visita escrito numa letra de “doutor” que me levou algum tempo a decifrar. Fiquei bastante satisfeito pois que, todo aquele tempo que estivemos juntos não foi uma perca, não foi em vão. Mandou-me o número de telefone e algumas outras informações que me fizeram recuar na imagem que ainda guardava dele. Esquecera que o tempo passa, não só para nós próprios mas também para todos os outros, sem exceção. Dizia ele que em Agosto faria setenta anos. -Já? Pensei eu, sem me lembrar que setenta anos já eu fizera no ultimo mês de Janeiro. Estávamos na verdade velhos. Velhos talvez não, pois velhos são os trapos, digamos que usados, talvez seja esta a melhor forma de maquiar a aparência de velhos de cabelos e venerandas barbas brancas, que exibimos.
Mas dizia eu que recebera notícias e por vezes notícias transformam-se em recordações. E vai ser de uma dessas recordações que quero dissertar um pouco.
Decorria o ano de mil novecentos e… troca o passo, eu sei lá já em que ano foi. Nesse tempo ainda eramos razoavelmente jovens e irrequietos para pensarmos em namoradas, e ele tinha uma em Java. Um dia ocorreu-lhe a ideia, de ir até lá e como queria companhia inventou uma sobrinha da namorada para me convencer a acompanhá-lo. Plano para afrente, plano para trás e lá me convenceu a ir com ele. Na realidade ele tinha era receio de uma viagem de barco, meio de transporte totalmente diverso do que costumávamos utilizar e que era aquele que ia ser usado pois o medo diabólico que ele tinha de viajar de avião, não nos deixava muitas hipóteses. Decidimos por isso ir de barco para o outro lado do mar. Sim porque a ilha de Timor está rodeada de mar por todos os lados, é lógico sendo uma ilha, e no outro lado do mar, a dezoito horas de distância de barco estava a outra, uma, dos milhares de ilhas desse arquipélago, cheia de moças bonitas, tentadoras e esperando por nós.
O nosso objetivo era a cidade de Mangelang quase no centro da ilha de Java onde a namorada do meu amigo o esperava e eu queria conhecer uma sua sobrinha. O plano foi decidido e no dia marcado lá fomos nós de abalada, a bordo do “Dobem Solo” um barco de passageiros que teria sido construído na Alemanha e era todo, dizia-se, computorizado, o que nesse tempo era o suprassumo da técnica naval.
O Paquete era bastante grande e alto, tinha três andares e um bom aspeto quer sob o ponto de vista de limpeza como de segurança. Embarcámos felizes da vida com um sentimento de aventura pairando sobre as nossas cabeças. O ambiente era bastante variado o que contribuía de maneira definitiva para o sentimento de euforia que tentávamos disfarçar mas que indubitavelmente vivia dentro de nós. Gentes de Irian Jaya, Ambon, Java, Bali, e Timor acotovelavam-se na entrada e saída, da escada de aceso ao navio na ânsia de encontrarem um lugar melhor para fugir a toda esta barafunda.
Depois de sermos levados pela corrente daqueles que entravam e que colidiam contra a corrente daqueles que saiam, lá conseguimos cair no lago calmo que era a larga sala de entrada no Navio, onde parámos e conseguimos informações sobre a localização do nosso camarote.        
Este, tinha três camas. Rezámos para que não viesse mais ninguém ocupar a terceira cama mas Deus não quis nada connosco. Já depois de o barco partir apareceu o terceiro habitante daquele condomínio, o qual, era um comerciante que tinha uma capoeira de galinhas na estrada a caminho de Liquiçá.
Bem, do mal o menor, pensámos, mas pelo sim, pelo não e porque nesse tempo não havia ainda caixa de multibanco, resolvi embrulhar muito bem as minhas economias, dentro de um envelope fechado a fita-cola que comprei na papelaria do barco, e guardei-o no forro das minha roupa interior. Seria muito difícil alguém tirar o embrulho de lá sem eu dar por isso.
Contudo “o homem poe e Deus dispõe”.
Uma dor de barriga mudou tudo e no instante em que o embrulho com o dinheiro saiu de dentro das minhas roupas interiores, pelas minhas próprias mãos, o futuro modificou-se. Aquele dinheiro, ficou miseravelmente esquecido em cima do lavatório da casa de banho e deixou de fazer parte do meu destino.
Como acusar alguém, se o terceiro elemento do camarote, suspeito principal e único, tinha passado algum tempo fora e tivera oportunidade de fazer desaparecer qualquer evidência da sua pilhagem!?
Assim chegámos a Surabaia. O “comerciante que tinha uma capoeira de galinhas” mais rico, uns bons milhões de rupias, e eu sem cheta no bolso e com o moral muito em baixo.
O meu amigo e a sua namorada tiveram que me aturar e financiar até a minha volta para Timor. Toda a atmosfera de aventura se perdera no meu espírito. Aquele período de má memória, tinha sido mesmo um desastre, só porque a minha mente de galinha sustentara a vida de um sortudo pilha-galinhas.
E como recordações são saudades, e como tenho saudades dos dois, vai aqui mais uma nota: o meu amigo e a sua namorada de Mangelang posteriormente vieram a casar, pelo que essa viagem de barco até ao outro lado do mar, não terá sido talvez inteiramente negativa.

sábado, 5 de outubro de 2013

BELU MATE MORIS



Vi hoje um filme que me trousse memórias de anos passados em que tudo era simples e a vida sem problemas. Não sei o nome do filme mas era a história singela de um cavalo que partiu uma pata e que o dono queria abater pois que, um cavalo de corridas não o volta a ser, depois de uma pata partida. Em resumo, o tratador não deixou que o animal fosse abatido e comprou-o ao dono por tuta-e-meia. O cavalo curou-se e foi um campeão. Foi um filme! Foi uma história! Uma história comovente para entreter.

No passado, um passado já muito longínquo, lá muito longe daqui, do outro lado do mundo, existiu um cavalinho, filho de um cavalo de nome, que fora um campeão e que por mor de ser pequeno de estatura e seu dono ter descoberto que havia cavalos muito mais altos, foi levado da sua manjedoura, onde era tratado como um príncipe, para o prado e aí esquecido.

O cavalinho tinha o nome da cor da sua pelagem que era de ouro escuro e por isso todos o conheciam pelo “Akar been” designação local para a sua cor.

Akar been ficou no prado preso por uma corda comprida de modo que pudesse procurar por si só, o pasto que outrora fora capim bem verde e ração de milho, posto na sua manjedoura. A vida mudara e não para melhor. O príncipe de antes tornara-se num vagabundo, ao relento, ao calor tórrido, à chuva e a todas as mudanças de humor climatérico. Ao fim de algum tempo Akar been apenas ficava parado de cabeça baixa, não girando mais dentro do círculo que o comprimento da corda permitia, emagreceu e uma ferida nas costas tornou ainda o seu estado mais deplorável.

Alguém atento alertou o dono do cavalinho que este estava a sofrer e perto de morrer. Que fazer se os outros cavalos grandes e puros sangue tinham toda a prioridade?

 – Não tem cura? Então toma esta arma e abate-o. Coitado está a sofrer! E com este fingido sentimento de pena, foi decretada a sorte do Akar been.

Mas os Deuses dos cavalos (será que existem?) olhando do alto das verdes pradarias fizeram com que o mensageiro da morte passasse no meu caminho e que o decreto real (nesse tempo era) pudesse ser anulado e Akar been salvo de morte por fuzilamento.

Vamos resumir: O Akar been foi tratado com medicamentos amor e carinho, salvo de uma morte certa, voltou a ser de novo um príncipe e um amigo. Tomou um novo nome BELU MATE MORIS, e foi o campeão de muitas corridas. De príncipe passou a vagabundo e por fim a rei na sua classe de corredor.

 Não foi um filme foi uma história verdadeira passada há muitos, muitos anos atrás, lá muito longe do outro lado do mundo.

mco