quarta-feira, 30 de dezembro de 2015


ANTES DO ANO ACABAR E UM NOVO COMEÇAR…

 


 

Antes do Ano de 2015 acabar e o novo 2016 começar…deveremos calcular o positivo e o negativo do ano que vai findar. Neste exercício de avaliação, alguns pormenores irão ser esquecidos, mas se tudo fosse referido, necessário seria um Diário, como aqueles que são obrigatórios a bordo de qualquer navio e isso requereria no mínimo um livro com 365 folhas ou 730 páginas, o que além de muita página seria também muita “fruta”.

Mas, nesta ideia de avaliação de um ano, sobre o positivo e o negativo da vida no dia a dia e antes de começar a compor o nosso documento contabilístico, deve-se perguntar: -  o quê primeiro?  os bons ou os maus acontecimentos?

Vou começar pelos maus acontecimentos, e esses são por ventura os mais dolorosos pois que tem a ver com os familiares ou amigos que foram para não mais voltar e nos deixaram, pela sua ausência, mais pobres.

Essa viagem sem volta, suscita velhas dúvidas, dúvidas essas que por serem dogmas não devem ser discutidas e por isso as perguntas nunca formuladas em voz alta, são agora apenas sussurros, ou somente pensamentos: “para onde foram?” “haverá algo depois de tudo isto?” “voltaremos a encontrar-nos?”

A verdade é que em breve o pó voltará para o pó, verdade indiscutível, e se não for a fé, a dúvida vai voltar, agarra-nos pelos cabelos, rodopia as nossas mentes e deixa-nos caídos, tontos e amedrontados.

Somente a fé pode adormecer as emoções negativas pela perda de conhecidos, alguns de perto, outros de mais longe, e também de amigos, daqueles que podemos chamar “amigos de peito” que me deixaram este ano:

Álvaro de Sampaio Mascarenhas Inglês

Fernando de Carvalho Gonçalves (Fernandinho Gonçalves)

Lucílio José Corbafo

Para os três, a eterna saudade dos que cá ficaram.

 Que repousem em paz.

 

Felizmente que contabilizando os acontecimentos, o HAVER é francamente positivo em relação ao DEVE, pois que a chegada de mais três netos e o Pré-Natal de outros três, dão à vida um sabor de Esperança num futuro risonho para toda a família.

Como inegavelmente positivo foi também que depois de dezasseis anos em que a vida, ou melhor, a má vida, me atirou para longe de Timor, pude ainda que fugazmente regressar em visita à terra onde me fiz homem e onde envelheci e onde também nasceram os meus filhos.

Além de outros pequenos pormenores que não são necessários aqui frisar, o Ano de 2015 foi francamente positivo, e, se depois das badaladas da meia-noite, do dia 31, ainda estiver por cá, poderei juntar a tudo aquilo que foi o ano de 2015, O TER MAIS UM ANO DE VIDA.

 

FELIZ ANO NOVO DE 2016.

TUDO DE BOM PARA TODOS.

SAÚDE.

SORTE.

DINHEIRO.

E ESPECIALMENTE MUITO AMOR, PARA TODOS E PARA TIMOR. 

mco

 

 

 

 

sábado, 5 de dezembro de 2015



 No meu livro “Retalhos de uma vida em Timor”
UM PM EM CUECAS

 
A vida em Timor era um pouco monótona para os militares que não tinham lá família. A vida social era limitada às pessoas que lá viviam, ou àquelas, mesmo militares, que mercê das suas posições e profissões, tinham o privilégio de puderem entrar no selectivo meio social da então Província.
Todo este introito não serve para justificar o que não tinha justificação, mas é talvez uma imagem da vida preconceituosa que se vivia lá.
O contacto dos militares com o meio civil, trazia inúmeras vezes, casos de namoros e de infidelidades, muitas vezes com resultados negativos para os seus intervenientes.
Esta pequena história quase que é uma dessas vezes, mas teve um fim feliz, porque a sorte determinou que tudo acabasse bem.
Um amigo meu, mantinha um namoro casto com uma senhora casada. O marido, segundo ela, rara era a noite que não chegava bêbado a casa e tratava-a muito mal.
Ao fim de muito tempo deste namoro platónico, ele teve por fim um convite para um encontro. Seria numa noite que ela achava propício, porque o marido deveria sair e chegar tarde. O convite era para ele a ir visitar na sua própria casa.
Tudo teria corrido de forma diferente, se por azar, ele nessa mesma noite, não se encontrasse de serviço de ronda à cidade.
Com o desespero por perder o tão desejado convite, pois nessa ocasião as trocas de serviço estavam proibidas, esse meu colega pediu-me que o acompanhasse nessa noite na ronda de Jeep, e o deixasse no local combinado.
Assim, nessa noite, os dois fardados a rigor, saímos no jeep de ronda direitos ao sítio planeado.
Rolamos então na noite quente de Díli, onde os grilos, as rãs e os tokés desafiavam as eternas músicas que a rádio derramava no espaço, com o seu programa de “música a seu gosto”, fazendo horas para o tão almejado interlúdio.
Depois de passarmos duas vezes em frente de determinada casa e depois de complicados códigos que identificavam os intervenientes na marosca e davam como livre a costa.  Deixei então o meu amigo e parti para uma ronda que tinha sido estipulada em cerca de uma hora, antes de voltar novamente para o recolher.
Essa hora foi aproveitada para fazer a ronda aos paióis que existiam na periferia da cidade e, passada quase uma hora fui-me aproximando do local onde teria que recolher o felizardo.
A noite estava escura, somente a luz que vinha de alguns candeeiros de iluminação pública, que criavam mais sombras do que iluminavam por mor dos ramos das árvores que camuflavam os postes de iluminação, davam um pouco de claridade.
Cheguei no principio da rua com os faróis do jeep   postos em médios que iluminavam apenas uns metros à frente da viatura.
Ao longe perto do sítio combinado para a “operação de resgate do desertor” pareceu-me ver um movimento estranho onde algo branco emergia da escuridão quase total. 
Desconfiado que qualquer coisa não estava bem aproximei-me com o jeep a baixa velocidade e quando achei que a distância era apropriada disse ao condutor que acendesse os faróis no máximo.
A surpresa foi geral. O meu amigo de meias calçadas e cuecas brancas com as botas e farda às costas, fazia gestos desesperados para que apagássemos as luzes do carro.
O resgate que por brincadeira tinha falado, foi mesmo um resgate a sério. Com os faróis apagados aproximamo-nos do local onde ele estava e depois de ele ter entra dono jeep arrancámos a toda a velocidade para um local mais seguro, onde ele se fardou a rigor.
A história fácil de contar: “O marido apareceu e o meu colega apenas teve tempo de sair pela Janela, caindo desastradamente numa poça de água que tinha ficado desde as chuvas da tarde.
O susto foi tão grande que ele durante o resto da comissão nunca mais lá voltou.

mco

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015


3 de dezembro de 2015

A MORTE DO CAPITÃO CÉSAR CANUTO EM KUPANG

Fazem hoje 49 anos que morreu em Kupang no palácio do Governador El Tari o Capitão César Canuto

 
Muitas vezes as coisas acontecem de maneira fortuita e a história sofre mudanças por motivo de imprevistos e coincidências.
Uma das famílias que desde os primeiros dias da minha permanência em Timor se tornou minha amiga, foi uma senhora de origem Árabe cujo marido Português de gema, ficara em Timor e lá falecera.
Essa senhora já não era nova, mas era de uma grande simpatia e para ela a palavra amizade tinha significado. Tornámo-nos amigos e quando o trabalho me dava alguma pausa, eu, aliás, como alguns dos meus amigos gostava de a visitar, e por vezes, em feriados ou domingos, fazíamos petisqueiras em sua casa.
Era uma casa tradicional bastante larga, com um grande quintal sempre muito limpo, onde algumas mangueiras frondosas davam boa sombra e boas mangas também. A residência dela situava-se mesmo em frente da praia.
Era uma Sexta-Feira dia 3 de Dezembro de 1966. Um almoço de cozido à Portuguesa tinha sido combinado, para o Domingo seguinte naquele espectacular local, a cem metros do mar e no meio de uma plantação de coqueiros que davam o nome à praia.
Nessa noite depois de um jantar de marisco no A Seng, pequeno restaurante cujo proprietário tinha sempre marisco muito fresco, resolvi ir a casa dessa senhora buscar a lista dos condimentos necessários para o piquenique já combinado.
A minha Suzuki azul de 50c.c. que eu tinha comprado a um cabo de engenharia, estava bem afinada e depois de sair da estrada para a ribeira de Comoro, entrava por um estreito caminho para a praia, voando nas curvas e contracurvas de um trilho onde só cabia as rodas do velocípede, ou os pés de qualquer ser humano.
Os requebros da vereda conjugados com os altos e baixos do terreno davam ao percurso um sabor especial, particularmente durante a noite, quando o negrume que nos rodeava, era cortado pela luz algumas vezes fraca, desses meios de locomoção. Era uma gincana de morte.
Depois de lá ter chegado, um bom café de Timor, retemperou a espírito do esforço de concentração necessário para fazer esse caminho sem nenhum despiste e neutralizou um pouco o excesso de cerveja consumida com os mariscos do jantar.
Aí ficámos sentados no exterior da casa, aproveitando um pouco da frescura vinda do mar, nessa quente noite de Dezembro, enquanto o rádio, nos fazia companhia atirando para o ar, sons que contrastavam com o ruido monótono e repetitivo das cigarras e o coaxar das rãs que se deleitavam nos pequenos charcos deixados pelas cuvas da tarde.
Nessa noite, no éter, para contrariar o usual programa da “Música a seu gosto” da rádio Díli, diluía-se a música Keroncong da rádio Kupang, capital da vizinha parte Indonésia da ilha de Timor.
Essa música segundo os entendidos é proveniente do fado, e é certamente pela sua melodia e argumento, diferente da música tradicional destas paragens.
Dizem que os marinheiros Portugueses que chegaram e dominaram estes mares entre 1512 e 1596 trouxeram com eles instrumentos musicais que mudaram os sons e, portanto, a música.
Um pequeno violão cujo som era um “krong” “krong” tornou-se conhecido pelo nome de Keroncong e deu o nome ao estilo musical, enquanto nas ilhas Hawai tomou o nome de Ukelele. Tudo isto, eu ia aprendendo com a minha amiga, enquanto sorvia o cafezinho e me deliciava com o ambiente morno e difuso da noite.
Por volta das dez horas, pensava já em regressar ao meu quarto de palapa, no seio das instalações da minha companhia, quando bruscamente os mágicos sons musicais desapareceram, e em seu lugar uma voz bem timbrada lançou para o ar o que parecia ser um noticiário.
A minha interlocutora chegou-se mais para a telefonia procurando não perder nada do que era dito. Confesso que fiquei admirado pois nunca pensara que ela falasse a língua Indonésia, e a pergunta saiu fluente e coerente: - Você fala indonésio? Ela com um Shiuuu, perentória, cortou-me qualquer veleidade de continuar.
Confundido com a sua atitude, e porque não compreendia aquilo que ouvia na rádio, tomei muita atenção à sua expressão facial.
Algo se passava que a fez ficar agitada, pronunciando palavras que eu não entendia.
Levantei-me e ela fez-me sinal para que me sentasse.
Quando depois de alguns momentos que me pareceram uma eternidade ela falou, ela estava com uma cara aterrada.
– Mataram o capitão Canuto na residência do Governador de Kupang. Que desgraça! vem aí a guerra.
Disse num ápice sem parar para respirar.
Acalmei-a procurando compreender o que se passara.
Depois de breves momentos de luta contra a angustia que a dominava, ela, que como qualquer de nós sabia que as relações entre Portugal e a Indonésia estavam muito tensas, tentou explicar atabalhoadamente aquilo que eu já sabia sobre a missão do capitão Canuto.
Fiz-lhe a pergunta objectiva: - A que horas aconteceu? A resposta dela deixou-me convencido da urgência de comunicar a alguém o que se tinha passado: - Segundo o noticiário isso aconteceu cerca das nove e meia da noite de hoje. Disse ela.
Disse-lhe que continuasse a ouvir as notícias que eu voltaria e pegando no meu cavalo de 50 c.c. voei direito à casa do meu comandante. Quando saí acelerado de casa ainda a ouvir dizer verdadeiramente aterrada: - Eles dizem que ele se suicidou, mas foram eles que o mataram.
O capitão Canuto acompanhado de um sargento Timorense tinha ido com a missão de receber três militares Portugueses, que haviam debaixo de uma grande bebedeira, entrado num beiro sem remos e sido arrastados pela corrente para uma ilha Indonésia onde ficaram presos.
Nessa altura na Indonésia ocorria uma revolução e eles foram julgados espiões, mas por fim a Indonésia passada esse momento de guerra interna devolvia os militares a Portugal.
 
Conforme histórias que corriam e eu apenas relato o que todos falavam que o Capitão tinha partido com receio pois que ele era o comandante do Centro Cripto do Comando Militar de Timor, o que equivale dizer que era conhecedor de segredos militares, e poderia ser considerado pelos Indonésios como um espião, ou mesmo tentarem tirar dele informações dos serviços que comandava.
O acontecimento não teve consequências de maior para a Província. O governo de Kupang entregou o corpo do Capitão ao governo de Timor. Os militares Portugueses presos em Jakarta foram entregues na fronteira a uma patrulha da Polícia Militar Portuguesa.
Sobre a autópsia do capitão Canuto, nada transpirou de oficial para o domínio público, mas nas varandas corridas de Timor onde os mosquitos rivalizavam com a má língua, dizia-se que a autópsia do capitão determinara que o tiro tinha entrado na cabeça dele, detrás para a frente e de cima para baixo, posição bastante incómoda para quem se quer suicidar

mco