quarta-feira, 11 de julho de 2018


QUANDO TUDO COMEÇA A MUDAR

(pensamentos de uma velhice descuidada I)



 

Os estudiosos que se debruçaram sobre o problema
dos estágios da vida humana, determinaram de que a velhice, sendo o último, era de todos o mais complexo e difícil de atravessar. Também na vida, a soma total, é igual à soma das partes. Quero eu dizer, que a velhice é como que uma soma de todas as situações, alegres ou traumatizantes, que a vida nos proporcionou.

 

Desde a despreocupada juventude, em que cada dia é uma dádiva de Deus e uma oportunidade para descobrir o que é a vida, até à velhice, tudo passa rapidamente, sem que nos apercebamos, na ânsia de sofregamente deglutirmos tudo o que a vida nos proporciona, de que algo de muito importante ficou para trás. De repente, os bebés que nos enchiam de orgulho e a quem chamávamos nossos filhos, transformaram-se, num ápice, nos nossos netos, e ainda aturdidos, perguntamos onde está a vida que já vivemos, a qual passou sem que nos apercebêssemos. Chegámos, portanto, sem dar por isso, à velhice.

Muito subtilmente, os sinais vão aparecendo; rugas, cabelos embranquecendo, pele murchando, limitações motoras, lapsos de memória, e tantas outras realidades que nós teimamos em esconder de nós próprios na vã tentativa de não deixarmos de ser jovens. São defesas psicológicas que iremos pagar quando de repente acordarmos de manhã com a sensação de que ainda temos desassete anos e só quando chegamos ao espelho da casa de banho vermos a triste realidade. 

Se no passado, e em algumas culturas, ser velho era um estágio de excelência, na era da moderna tecnologia, as sociedades não tem mais tempo para se preocuparem com as lamechas nem a sabedoria dos anciães, como outrora, pois que, tem toda a sabedoria do mundo compilada em sites da internet à distância de um clique. Veem-se, por isso, muito pungentemente, assoberbadas com o problema da velhice, o qual adicionado a outras questões sociais, como as reformas, os serviços de saúde, as casas para a terceira idade, tornam este derradeiro estágio da vida humana, no passado, muito importante no contexto social, uma dor de cabeça no presente.

A velhice deixou de ser uma romântica e apetecível situação, para se tornar para os mais idosos, num inferno terminal, onde são atirados como lixo velho para novas famílias, com outros elementos velhos, como eles, guardados á vista por polícias a que se dá o nome de enfermeiras ou enfermeiros, que tem o mister de cuidar deles numa prisão de contornos dourados, e que serve para apagar a consciência de filhos e familiares. É a sociedade dita evoluída, onde os valores morais naturais se esfumam em desculpas mercantilistas e não só. Dizem alguns, não tenho tempo para os meus pais, pois tenho que trabalhar e olhar pelos meus filhos. Esquecem-se que um dia, eles, serão os actores desse mesmo filme onde os seus maiores, são contra vontade, piedosamente, colocados e esquecidos.

 

A alegria de envelhecer, está, pois, condenada nas sociedades modernas, ditas civilizadas e progressistas.

 

Na teoria de Erik Erickson a vida humana normal está dividida em oito estágios que são: a esperança e vontade, propósito e competência, fidelidade e amor e o oitavo chamado velhice em que a integridade se contrapõe à desesperança.

 

Sendo a velhice o derradeiro estágio da vida humana, aquele que por ser fácil de compreender como sendo o fim de tudo, irá provocar nos indivíduos nele inseridos, um trauma, especialmente aqueles que tem dúvidas sobre o que virá a seguir, depois da morte. A pergunta surge então como forma de frustração: - Que estivemos nós a fazer nesta vida?  - Porque nos cansámos, trabalhando muitas vezes sem poder, para que tudo termine desta maneira? - É sem dúvida a desesperança que se opõe ao primeiro estágio que é a esperança, que na juventude, chega com o raiar de cada novo dia.

 

A aceitação, daquilo que a lei da vida define, onde, tudo que teve um princípio terá um fim, dá ao homem a certeza de que quando chegar o tempo certo, tudo irá terminar. Desta certeza, como paliativo, só existe um caminho, e nele se refugiam todos aqueles que acreditam que depois da morte física, haverá outra vida. Esse caminho vem por meio da fé, e que só por fé, pois que é impossível demonstrar isso por meios científicos. O aparecimento das religiões foi baseado nas interrogações dos humanos sobre tudo, o que não compreendiam, nem podiam demonstrar. A esperança de que tudo realizado, e todos os sofrimentos vividos nesta vida terrena não cairiam num vazio, levou a humanidade a acreditar (fé) de que teria que haver algo para lá da morte, e que por isso, nem tudo teria sido em vão. O binómio fé e esperança, funciona aqui como uma necessidade para que a última fase da vida das pessoas pudesse ser mais fácil de atravessar.

 

Mesmo o filósofo grego Platão, ao abordar este estágio da sua vida, demonstrou ter uma grande incerteza e medo.

 

Além do já atrás exposto, o ser humano, chega a esta fase com mais sabedoria, que lhe dá para calmamente olhar para o passado e fazer, como um técnico de contas, o deve e o haver de toda a sua vida.

 

Na verdade, tudo aquilo que discorremos sobre este tema, é uma abordagem generalizada sobre o assunto, pois que, como tudo o que é generalizado, irão existir excepções, e essas omissões à regra, produzem tanto positivamente com negativamente atitudes extremas, que podem ir da alegria de uma velhice feliz, até ao suicídio.

 

Como nos ensina o filósofo Platão “deve-se temer a velhice porque ela nunca vem só. Bengalas são provas de idade e não de prudência”.