MALHAS
QUE O IMPÉRIO TECEU…
Para Lurdes Lino
Não sou por natureza
muito dado a sonhos, dizem os poetas que o sonho comanda a vida, mas o meu
sonho foi com alguém que morreu. Sobre ele escrevi em Agosto de 2008 algumas
curtas palavras no paradigma de “Em Memória”. Escrevi sem ter sequer a
esperança de que alguém lesse ou comentasse algo sobre esse escrito, mas mercê da
visibilidade que dá o Face Book, volvidos que foram quase nove anos alguém leu
e mostrou interesse em saber mais algo sobre o falecido.
A morte, dirão, é um tema
tão normal, tão comum, que escrever um epitáfio sobre alguém já não é nenhuma
novidade, só que o epitáfio é escrito sobre a tumba duma pessoa e geralmente
começa com “Aqui Jaz…”.
No caso do meu sonho, ELE
não teve direito a nenhum epitáfio, pois que, não teve também direito a nenhum
túmulo, nem mesmo sei se foi enterrado em vala comum, ou se foi lançado pela
encosta abaixo da montanha onde foi assassinado.
Joaquim
Inês Martins de seu nome, e “cowboy Lino” de sua alcunha, foi morto quando, prisioneiro
que era da Fretilin, tentou fugir, saltando de uma camioneta onde seguia de
Maubisse para Same (Timor, dezembro,1975), sendo ferido de morte por um
atirador, dum Jeep que acompanhava a camioneta.
Ele como outros
prisioneiros seguia amarrado com as mãos atrás das costas, e, quando depois de
terem dominado os guardas tentaram fugir saltando da viatura em movimento, caiu
na estrada sendo abatido, enquanto que outros lograram as suas intenções. Isto
foi-me contado por prisioneiros que sobreviveram, aos massacres de Aileu e
Same.
Não era minha intenção
escrever sobre ele nem sobre os remotos tempos dos anos de 1975 de má memória,
mas o pedido de sua prima, pedindo que sobre ele fizesse uma resenha de sua
vida e morte, me levaram a escrever mais do que quereria.
Chegou a Timor depois de
um mês de viagem no paquete “Timor” integrado na Companhia Independente de
Polícia Militar 1579, e ao fim de dois anos de comissão resolveu lá ficar.
Irrequieto, com um
espírito brincalhão, e trabalhador, prosperou, com uma camioneta que por ter
dispositivo de tração conseguia chegar a locais de difícil ou mesmo impossível
acesso, o que além de o tornar um campeão das estradas de Timor, davam jus à
sua alcunha de cowboy.
Casou com uma rapariga
chinesa que vivia em Ermera, centro de café, e como a família de sua mulher
tinha uma loja de comércio, rapidamente começou vivendo desafogado tendo
comprado outra camioneta e uma casa em Díli na região de Taibesse.
Quando dos acontecimentos
de 11 de Agosto, (princípio da guerra civil) juntou-se às forças da UDT
(partido Timorense) contra a Fretilin, e com os restantes elementos da UDT
ficou na zona do Palapaço onde se situava o comando do partido. A sua casa ficava
na zona de Taibesse onde se encontrava o comando da Fretilin. Numa noite
temendo pela sorte da sua família, deslocou-se para lá e foi capturado.
Na prisão de Taibesse
sofreu com todos os outros prisioneiros torturas e maus tratos, e quando da
Invasão de Díli pelas forças Indonésias foi levado para Aileu. Lá assistiu ao assassínio
de muitos prisioneiros e ele como muitos tremiam de medo quando alguns dos
carrascos olhavam para eles mais fixamente, ou os seus nomes eram falados ainda
que sem motivo algum.
Quando o comando da
Fretilin, mercê do avanço Indonésio, se começou a deslocar para o interior de
Timor, o terror dos prisioneiros aumentou.
Amanhecer vivo era o
desejo de todos os que passavam a noite sem dormir com todos os sentidos em
alarme permanente e atentos a todos os ruídos que pudessem denunciar que algum
guarda bêbado os pudessem torturar, ou pior matar.
Quando o comando da
Fretilin resolveu deslocar-se para Same, resolveram que os prisioneiros iriam
com eles e seriam julgados num tribunal do povo. Aí todos esperavam que Same
fosse o último sítio onde poderiam ter esperança de viver. Todos eles sabiam
que iriam ser mortos quando lá chegassem. Todos estavam de acordo que a viagem
de Aileu para Same era a última oportunidade de fugirem. No caminho tentaram a fuga, mas ele tinha as mãos
amarradas atrás das costas, estava bastante fraco e vestido com uma lipa (pano
tradicional de Timor), não conseguiu equilibrar-se ao saltar da viatura e desequilibrou-se
caindo no meio da estrada onde foi fuzilado por guardas que seguiam num jeep à
retaguarda.
Paz à sua alma.
P.S. Eles tinham razão em
tentar fugir, pois que outros prisioneiros, dezenas deles, foram mortos dentro
das salas de aula da Escola Municipal de Same para onde os guardas deitaram
granadas.
Estes acontecimentos
foram-me contados por sobreviventes desses tempos infernais.
mco