QUANDO
TUDO COMEÇA A MUDAR
(pensamentos de uma velhice descuidada I)
Os estudiosos que se debruçaram sobre o problema
dos estágios da vida humana, determinaram de que a velhice, sendo o último, era de todos o mais complexo e difícil de atravessar. Também na vida, a soma total, é igual à soma das partes. Quero eu dizer, que a velhice é como que uma soma de todas as situações, alegres ou traumatizantes, que a vida nos proporcionou.
dos estágios da vida humana, determinaram de que a velhice, sendo o último, era de todos o mais complexo e difícil de atravessar. Também na vida, a soma total, é igual à soma das partes. Quero eu dizer, que a velhice é como que uma soma de todas as situações, alegres ou traumatizantes, que a vida nos proporcionou.
Desde a despreocupada juventude, em que cada dia é uma dádiva de Deus e uma
oportunidade para descobrir o que é a vida, até à velhice, tudo passa
rapidamente, sem que nos apercebamos, na ânsia de sofregamente deglutirmos tudo
o que a vida nos proporciona, de que algo de muito importante ficou para trás.
De repente, os bebés que nos enchiam de orgulho e a quem chamávamos nossos
filhos, transformaram-se, num ápice, nos nossos netos, e ainda aturdidos,
perguntamos onde está a vida que já vivemos, a qual passou sem que nos
apercebêssemos. Chegámos, portanto, sem dar por isso, à velhice.
Muito subtilmente, os sinais vão
aparecendo; rugas, cabelos embranquecendo, pele murchando, limitações motoras, lapsos
de memória, e tantas outras realidades que nós teimamos em esconder de nós
próprios na vã tentativa de não deixarmos de ser jovens. São defesas
psicológicas que iremos pagar quando de repente acordarmos de manhã com a
sensação de que ainda temos desassete anos e só quando chegamos ao espelho da
casa de banho vermos a triste realidade.
Se no passado, e em algumas culturas, ser
velho era um estágio de excelência, na era da moderna tecnologia, as sociedades
não tem mais tempo para se preocuparem com as lamechas nem a sabedoria dos
anciães, como outrora, pois que, tem toda a sabedoria do mundo compilada em
sites da internet à distância de um clique. Veem-se, por isso, muito
pungentemente, assoberbadas com o problema da velhice, o qual adicionado a
outras questões sociais, como as reformas, os serviços de saúde, as casas para
a terceira idade, tornam este derradeiro estágio da vida humana, no passado,
muito importante no contexto social, uma dor de cabeça no presente.
A velhice deixou de ser uma romântica e apetecível situação, para se tornar
para os mais idosos, num inferno terminal, onde são atirados como lixo velho
para novas famílias, com outros elementos velhos, como eles, guardados á vista
por polícias a que se dá o nome de enfermeiras ou enfermeiros, que tem o mister
de cuidar deles numa prisão de contornos dourados, e que serve para apagar a
consciência de filhos e familiares. É a sociedade dita evoluída, onde os
valores morais naturais se esfumam em desculpas mercantilistas e não só. Dizem
alguns, não tenho tempo para os meus pais, pois tenho que trabalhar e olhar
pelos meus filhos. Esquecem-se que um dia, eles, serão os actores desse mesmo
filme onde os seus maiores, são contra vontade, piedosamente, colocados e
esquecidos.
A alegria de envelhecer, está, pois, condenada nas sociedades modernas,
ditas civilizadas e progressistas.
Na teoria de Erik Erickson a vida humana normal está dividida em oito
estágios que são: a esperança e vontade, propósito e competência, fidelidade e
amor e o oitavo chamado velhice em que a integridade se contrapõe à
desesperança.
Sendo a velhice o derradeiro estágio da vida humana, aquele que por ser
fácil de compreender como sendo o fim de tudo, irá provocar nos indivíduos nele
inseridos, um trauma, especialmente aqueles que tem dúvidas sobre o que virá a
seguir, depois da morte. A pergunta surge então como forma de frustração: - Que
estivemos nós a fazer nesta vida? -
Porque nos cansámos, trabalhando muitas vezes sem poder, para que tudo termine
desta maneira? - É sem dúvida a desesperança que se opõe ao primeiro estágio
que é a esperança, que na juventude, chega com o raiar de cada novo dia.
A aceitação, daquilo que a lei da vida define, onde, tudo que teve um
princípio terá um fim, dá ao homem a certeza de que quando chegar o tempo
certo, tudo irá terminar. Desta certeza, como paliativo, só existe um caminho,
e nele se refugiam todos aqueles que acreditam que depois da morte física,
haverá outra vida. Esse caminho vem por meio da fé, e que só por fé, pois que é
impossível demonstrar isso por meios científicos. O aparecimento das religiões
foi baseado nas interrogações dos humanos sobre tudo, o que não compreendiam,
nem podiam demonstrar. A esperança de que tudo realizado, e todos os
sofrimentos vividos nesta vida terrena não cairiam num vazio, levou a
humanidade a acreditar (fé) de que teria que haver algo para lá da morte, e que
por isso, nem tudo teria sido em vão. O binómio fé e esperança, funciona aqui
como uma necessidade para que a última fase da vida das pessoas pudesse ser
mais fácil de atravessar.
Mesmo o filósofo grego Platão, ao abordar este estágio da sua vida,
demonstrou ter uma grande incerteza e medo.
Além do já atrás exposto, o ser humano, chega a esta fase com mais
sabedoria, que lhe dá para calmamente olhar para o passado e fazer, como um
técnico de contas, o deve e o haver de toda a sua vida.
Na verdade, tudo aquilo que discorremos sobre este tema, é uma abordagem
generalizada sobre o assunto, pois que, como tudo o que é generalizado, irão
existir excepções, e essas omissões à regra, produzem tanto positivamente com
negativamente atitudes extremas, que podem ir da alegria de uma velhice feliz,
até ao suicídio.
Como nos ensina o filósofo Platão “deve-se temer a velhice porque ela nunca
vem só. Bengalas são provas de idade e não de prudência”.