Ao entardecer avistamos em baixo a povoação que estava toda queimada. Os meus dois tios apareceram para nos acompanhar. No meio do mato, começaram a aparecer corpos caídos cheios de sangue, de homens, mulheres e crianças. Os mais velhos faziam o possível para taparem dos nossos olhos, de todo aquele espectáculo de barbárie. Corpos retalhados de crianças como nós, jaziam pelo chão em grotescas posições, qual dança macabra num inferno de Dante. Ao entramos na povoação agora reduzida a cinzas, choros e gemidos, misturavam-se com o uivar dos cães num entardecer demoníaco. As mulheres perante este quadro de miséria e destruição abraçavam-nos chorando, com que querendo esconder dos nossos horrorizados pequenos olhos toda esta desgraça. Não sei dizer ao certo quantos mortos estariam naquele local, mas seriam certamente algumas dezenas.
Os homens encaminharam-nos para fora deste pesadelo, montanha abaixo na direcção da ribeira de “Cumain”.
Descemos sem ver o caminho a pique, como se este fosse plano e sem obstáculos, descemos até parar dentro de água e aí caímos sem forcas nem vontade de abrimos os olhos que tinham vindo fechados desde cima.
Todos chorávamos de raiva e frustração. O meu coração batia desenfreadamente, numa vão tentativa de sair pela boca. A pouco e pouco a água fria e turva da ribeira, foi-nos acalmando e então o medo, o verdadeiro e horrível medo, penetrou-me até à alma. Ainda hoje guardo na mente, esse bacanal de morte e destruição.
Os tios e avós foram-nos aquietando e levaram-nos para umas grutas feitas nas rochas – Fatuk Ku’ak – que estavam escondidas por uma vegetação espessa. A entrada era uma fresta na rocha, não sendo visível de parte exterior, porque estava muito bem camuflada.
Eram duas grutas grandes, onde a temperatura era menos agreste que no exterior e onde encontramos pela primeira vez, depois de algumas noites a dormir dentro de agua, um chão seco para podermos descansar. As mulheres preparam o local, para ser o mais cómodo possível e os homens montaram guarda lá fora.
Os homens encaminharam-nos para fora deste pesadelo, montanha abaixo na direcção da ribeira de “Cumain”.
Descemos sem ver o caminho a pique, como se este fosse plano e sem obstáculos, descemos até parar dentro de água e aí caímos sem forcas nem vontade de abrimos os olhos que tinham vindo fechados desde cima.
Todos chorávamos de raiva e frustração. O meu coração batia desenfreadamente, numa vão tentativa de sair pela boca. A pouco e pouco a água fria e turva da ribeira, foi-nos acalmando e então o medo, o verdadeiro e horrível medo, penetrou-me até à alma. Ainda hoje guardo na mente, esse bacanal de morte e destruição.
Os tios e avós foram-nos aquietando e levaram-nos para umas grutas feitas nas rochas – Fatuk Ku’ak – que estavam escondidas por uma vegetação espessa. A entrada era uma fresta na rocha, não sendo visível de parte exterior, porque estava muito bem camuflada.
Eram duas grutas grandes, onde a temperatura era menos agreste que no exterior e onde encontramos pela primeira vez, depois de algumas noites a dormir dentro de agua, um chão seco para podermos descansar. As mulheres preparam o local, para ser o mais cómodo possível e os homens montaram guarda lá fora.
A noite decorreu cheia de sonhos agitados, em que tudo se confundia num torvelinho de cheiro de sangue, cabeças e pés levados pelos ventos numa enorme angústia e desespero, quando acordamos, acordamos quentes e com fome. Os homens, ainda de madrugada tinham partido, subindo de novo a montanha, com a missão de enterrar os mortos. Não podíamos fazer barulho nem sequer sair para fora da gruta.
Um dia de descanso foi uma bênção para as nossas pernas e pés. A minha irmã Amena fez-me um curativo com mezinhas caseiras, feitas à base de folhas trituradas e “ai Kulit” - cascas de árvores – e eu senti-me muito melhor. A minha mãe, continuava muito doente, cheia de febre e com muitas dores, que a obrigavam a levar as noites sem dormir e a delirar. Eu passei a ficar junto dela, assim como a avó. Ela que antigamente era tão alegre, agora estava sempre triste, pouco falava e chorava às escondidas.
Estivemos escondidos nesta gruta, muito tempo, julgo que quase duas semanas. Só à noite podíamos sair sempre em pequenos grupos acompanhados pelas mulheres e aproveitávamos para tomar banho na ribeira, mas sempre em silêncio.
Os tiros que se ouviam ao longo começaram a rarear, assim com o bombardeamento feito sobre Aileu. O meu avô, resolveu que seria altura de nos deslocarmos deste local para as montanhas de Turiscai, onde, pensava ele, estaríamos mais seguros.
Um dia, depois de quase duas semanas de descanso, foi quase com alegria, que os miúdos saíram para fora da toca, para uma nova caminhada. O tempo continuava chuvoso, mas agora o sol de vez em quando, teimosamente rompia a cerrada neblina, numa tentativa de aquecer, com os seus raios luminosos a natureza enregelada. Começámos a andar na direcção da nascente da ribeira de Cumain, sempre dentro do mato e com mais precaução do que antes. O caminho era sempre subir e nós progredíamos muito devagar porque não andávamos por caminhos feitos, mas a corta-mato.
Um dia de descanso foi uma bênção para as nossas pernas e pés. A minha irmã Amena fez-me um curativo com mezinhas caseiras, feitas à base de folhas trituradas e “ai Kulit” - cascas de árvores – e eu senti-me muito melhor. A minha mãe, continuava muito doente, cheia de febre e com muitas dores, que a obrigavam a levar as noites sem dormir e a delirar. Eu passei a ficar junto dela, assim como a avó. Ela que antigamente era tão alegre, agora estava sempre triste, pouco falava e chorava às escondidas.
Estivemos escondidos nesta gruta, muito tempo, julgo que quase duas semanas. Só à noite podíamos sair sempre em pequenos grupos acompanhados pelas mulheres e aproveitávamos para tomar banho na ribeira, mas sempre em silêncio.
Os tiros que se ouviam ao longo começaram a rarear, assim com o bombardeamento feito sobre Aileu. O meu avô, resolveu que seria altura de nos deslocarmos deste local para as montanhas de Turiscai, onde, pensava ele, estaríamos mais seguros.
Um dia, depois de quase duas semanas de descanso, foi quase com alegria, que os miúdos saíram para fora da toca, para uma nova caminhada. O tempo continuava chuvoso, mas agora o sol de vez em quando, teimosamente rompia a cerrada neblina, numa tentativa de aquecer, com os seus raios luminosos a natureza enregelada. Começámos a andar na direcção da nascente da ribeira de Cumain, sempre dentro do mato e com mais precaução do que antes. O caminho era sempre subir e nós progredíamos muito devagar porque não andávamos por caminhos feitos, mas a corta-mato.
mco
in "A história de uma menina de Timor ou como Bui Terssa descobriu o mundo"
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