sábado, 29 de setembro de 2012

AS LENDAS, COMO APARECEM E QUEM AS FAZ ?


Como aparecem as lendas, quem as faz e o porquê delas?

As lendas são histórias. Essas histórias tem na maior partes das vezes raízes populares. Nascem muitas vezes de temores ancestrais, ou da brilhante mente inventiva de pessoas sem muito que fazer. Essas pessoas levam os seus tempos de ócio em contemplação, idealizando ou procurando no ignoto, respostas para realidades não explicadas.

São por vezes os “Os mostrengos Adamastores” que são preciso derrotar que nos trazem as mais belas histórias/Lendas e que ajudam a vencer medos e apontar bons exemplos para o povo.

Muitas vezes elas, as lendas,  não tem raízes populares, são fabricadas por intelectuais com o intuído de desviar as atenções de algo, ou como tentativa de orientar as massas populares em sentidos objectivos.

Em Timor, lembro-me de me terem contado lendas que indicavam sem sombra de dúvida, terem sido idealizadas por catequistas ou padres, pois que o conteúdo religioso, era por demais evidente.

Muitas dessas lendas perdem-se nos tempos, mas quando o seu objectivo é fundamental elas são repetidas, e recontadas, até que ficam nas memórias, como era o querer de quem as inventou. “A mentira repetida muitas vezes torna-se verdade”.

Toda esta dialéctica, veio-me à cabeça porque nunca acreditei na Lenda do  “Crocodilo e a formação de Timor”. É demais linear e arrumadinha. Muitas vezes até o animal é apresentado como sendo originário de Macassar,  e demasiadamente científica pois que me custa a acreditar que o povo timorense à uns séculos atrás, soubesse que o formato da ilha de Timor, era parecido ao corpo de um crocodilo.

A lenda não apresenta indícios religiosos, o que demonstra a inteligência de quem a concebeu e que a torna mais credível e mais popular.  A inteligente ligação da história/lenda que o autor faz entre o povo e o crocodilo, animal que só por si é um totem do povo Timorense, demonstra que existe um objectivo bem definido na sua concepção. Agradar ao próprio povo.

Durante anos em Timor, vivi com essa lenda nos meus ouvidos, mas ela nunca foi para mim uma lenda saída da voz e do coração do povo. Nunca consegui aceitá-la como genuína. Para mim ela tinha sido fabricada com um objectivo e ensinada de geração em geração com um fim bem definido. Mas qual?

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Já longe de Timor em tempo de contemplação de tudo que passei nessa Pátria de adopção, e rebuscando na Internet tudo sobre esse longuinquo cantinho da minha vida, tive conhecimento do que estava escrito sobre a chegada dos primeiros missionários dominicanos, em busca de almas e de sândalo. As lutas travadas por esses missionários em nome de Cristo, com a ajuda dos topases (mestiços de Portugueses)  foram desde sempre direccionadas (antes entrada no Oe Kussi) a partir do reino de Mena, primeiro reino de Timor convertido à fé católica, na direcção do reino de Wéhali, cuja supremacia política-religiosa se estendia por quase toda a parte oriental da ilha de Timor.

O reino de Wéhali tinha uma organização  política diferente dos restantes reinos de Timor. Era na realidade não um só reino mas três. Wéhali era governado por uma rainha (sociedade matrilinear) considerada “Maromak Oan” e ela exercia o poder espiritual.  Os dois reinos de Wéssei e Wébiku cujos Reis eram filhos da rainha, representavam o poder  temporal ou político. Eles tinham a força militar para defesa do Wéhali e para impor aquilo que por ventura o poder espiritual não conseguisse. A hegemonia de Wéhali era diferente e mais forte do que um simples domínio político/militar.

A maioria dos reinos de Timor, na sua história oral ainda hoje indicam o Wéhali como o sítio de onde são oriundos. Ora isso é impossível. Um Mambae um Tétum ou um Tokódede, assim como outros povos serem todos provenientes do mesmo local. A ligação política (suserania) ao reino de Wéhali durou séculos, mas foi a ligação espiritual ao “Maromak Oan”, que eventualmente criou maiores e mais fortes raízes no espírito desses povos. Qual  teria sido a teoria espiritual para ficar assim tão vincada nas suas memórias? 

Ao fim de milhares de anos de desterro das suas raízes, surge na vida desses povos uma Deusa (assim se entende a rainha de Wéhali), afirmando que o Wéhali é o centro do mundo conhecido, e esse dogma religioso torna-se uma lenda.  

 “ Antes quando tudo era água e nada existia, começou a aparecer um pouco de terra. Essa terra  emergia das águas e aumentava tornando-se numa ilha.  No local onde a terra começou a sair das águas surgiu um buraco e perto desse buraco nasceu uma árvore. Essa árvore era um Ficus benghalensis, ou banyan tree (hali na língua tétum). Essa abertura era como o umbigo do Mundo e daí saíram todos os seres que o vieram a povoar. O Reino de Wéhali foi o tal umbigo onde se deu o Génesis de toda a humanidade.

A prova da veracidade dessa lenda/dogma era o próprio nome do reino de Wéhali. Em tétum língua dessa região, Wé significa água e hali é o nome dado ao Gondão ou seja o Banyan tree. Por tal motivo todos os seres existentes  teriam a sua origem nesse buraco cercado de água, Wé, onde nascera uma árvore, hali ou Banyan tree ”.

 

Esta seria por ventura a base espiritual de Wéhali que ficou bem vincada na história oral dos povos de Timor. Era uma lenda que dava o Wéhali como local onde tudo tinha começado, o Génesis.

 Os missionários Dominicanos tinham uma missão tripla, evangelizar, combater e destruir o mito que ligava umbicalmente os povos de Timor a esse buraco que tomara o nome de Wéhali.

 

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Para contrapor à imagem da “Deusa” de Wéhali, mãe dos Reis de Wéssei e Wébiku, que dominavam Timor, os Dominicanos apresentavam a imagem de Virgem Maria a mãe de Jesus o Rei dos Reis, cujo objectivo era libertar Timor do jugo de Wéhali.
 
Julgo que terá nascido da inteligência dos padres Dominicanos a lenda do Crocodilo que se transformou na ilha, numa tentativa de  fazer esquecer a lenda da criação do mundo que começara em Wéhali.

 
A lenda do crocodilo foi repetida e recontada de geração em geração até sair além fronteiras, não só manuscrita mas impressa em livros e contada pelo mundo fora, mas na alma oral dos Timorenses  a ligação a Wéhali, ainda hoje se pode ouvir nas suas histórias contadas pelos velhos “lian nain” por essas montanhas fora.


em uso a ortografia antiga



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