Como aparecem as lendas, quem as faz e o porquê delas?
As lendas são histórias. Essas histórias tem na maior partes das vezes
raízes populares. Nascem muitas vezes de temores ancestrais, ou da brilhante
mente inventiva de pessoas sem muito que fazer. Essas pessoas levam os seus tempos de
ócio em contemplação, idealizando ou procurando no ignoto, respostas para
realidades não explicadas.
São por vezes os “Os mostrengos Adamastores” que são preciso derrotar que
nos trazem as mais belas histórias/Lendas e que ajudam a vencer medos e
apontar bons exemplos para o povo.
Muitas vezes elas, as lendas, não
tem raízes populares, são fabricadas por intelectuais com o intuído de desviar
as atenções de algo, ou como tentativa de orientar as massas populares em
sentidos objectivos.
Em Timor, lembro-me de me terem contado lendas que indicavam sem sombra de
dúvida, terem sido idealizadas por catequistas ou padres, pois que o conteúdo
religioso, era por demais evidente.
Muitas dessas lendas perdem-se nos tempos, mas quando o seu objectivo é
fundamental elas são repetidas, e recontadas, até que ficam nas memórias, como era o querer
de quem as inventou. “A mentira repetida muitas vezes torna-se verdade”.
Toda esta dialéctica, veio-me à cabeça porque nunca acreditei na Lenda do “Crocodilo
e a formação de Timor”. É demais linear e arrumadinha. Muitas vezes até o
animal é apresentado como sendo originário de Macassar, e demasiadamente científica pois que me custa
a acreditar que o povo timorense à uns séculos atrás, soubesse que o formato
da ilha de Timor, era parecido ao corpo de um crocodilo.
A lenda não apresenta indícios religiosos, o que demonstra a inteligência
de quem a concebeu e que a torna mais credível e mais
popular. A inteligente ligação da história/lenda que o autor faz entre o povo e o
crocodilo, animal que só por si é um totem do povo Timorense, demonstra que existe um objectivo bem definido na sua concepção. Agradar ao próprio povo.
Durante anos em Timor, vivi com essa lenda nos meus ouvidos, mas ela nunca
foi para mim uma lenda saída da voz e do coração do povo. Nunca consegui
aceitá-la como genuína. Para mim ela tinha sido fabricada com um objectivo e
ensinada de geração em geração com um fim bem definido. Mas qual?
-o-
Já longe de Timor em tempo de contemplação de tudo que passei nessa Pátria
de adopção, e rebuscando na Internet tudo sobre esse longuinquo cantinho da
minha vida, tive conhecimento do que estava escrito sobre a chegada dos primeiros missionários
dominicanos, em busca de almas e de sândalo. As lutas travadas por esses
missionários em nome de Cristo, com a ajuda dos topases (mestiços de
Portugueses) foram desde sempre direccionadas
(antes entrada no Oe Kussi) a partir do reino de Mena, primeiro reino de Timor convertido à fé
católica, na direcção do reino de Wéhali, cuja supremacia política-religiosa se
estendia por quase toda a parte oriental da ilha de Timor.
O reino de Wéhali tinha uma organização política diferente dos restantes reinos de
Timor. Era na realidade não um só reino mas três. Wéhali era governado por uma rainha (sociedade matrilinear) considerada “Maromak Oan”
e ela exercia o poder espiritual. Os dois reinos de Wéssei e Wébiku
cujos Reis eram filhos da rainha, representavam o poder temporal ou político. Eles tinham a força
militar para defesa do Wéhali e para impor aquilo que por ventura o poder espiritual não conseguisse. A
hegemonia de Wéhali era diferente e mais forte do que um simples domínio
político/militar.
A maioria dos reinos de Timor, na sua história oral ainda hoje indicam o
Wéhali como o sítio de onde são oriundos. Ora isso é impossível. Um Mambae um
Tétum ou um Tokódede, assim como outros povos serem todos provenientes do mesmo
local. A ligação política (suserania) ao reino de Wéhali durou séculos,
mas foi a ligação espiritual ao “Maromak Oan”, que eventualmente
criou maiores e mais fortes raízes no espírito desses povos. Qual teria sido a teoria espiritual para
ficar assim tão vincada nas suas memórias?
Ao fim de milhares de anos de
desterro das suas raízes, surge na vida desses povos uma Deusa (assim se entende a rainha de
Wéhali), afirmando que o Wéhali é o centro do mundo conhecido, e esse dogma religioso torna-se uma lenda.
Esta seria por ventura a base espiritual de Wéhali que ficou bem vincada
na história oral dos povos de Timor. Era uma lenda que dava o Wéhali como local
onde tudo tinha começado, o Génesis.
-o-
Para contrapor à imagem da “Deusa” de Wéhali, mãe dos Reis de Wéssei e
Wébiku, que dominavam Timor, os Dominicanos apresentavam a imagem de Virgem
Maria a mãe de Jesus o Rei dos Reis, cujo objectivo era libertar Timor do jugo
de Wéhali.
Julgo que terá nascido da inteligência dos padres Dominicanos a
lenda do Crocodilo que se transformou na ilha, numa tentativa de fazer esquecer a
lenda da criação do mundo que começara em Wéhali.
A lenda do crocodilo foi
repetida e recontada de geração em geração até sair além fronteiras, não só
manuscrita mas impressa em livros e contada pelo mundo fora, mas na alma oral
dos Timorenses a ligação a Wéhali, ainda
hoje se pode ouvir nas suas histórias contadas pelos velhos “lian nain” por
essas montanhas fora.
em uso a ortografia antiga
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