terça-feira, 30 de setembro de 2008

A HISTÓRIA VERDADEIRA DE UM CAVALO DE TIMOR



Uma vez em Lisboa, num transporte público que usava frequentemente porque as posses não davam para outro género de veículo, deparei com dois sujeitos que nunca conheci e a quem não tomei atenção de maior os quais sentados no banco em frente do meu, falavam pelos cotovelos, sobre todos os assuntos do mundo e em todos esses assuntos eles eram, diziam, conhecedores profundos dessa matéria. Eu distraído olhava pela janela do comboio que se deslocava rapidamente na direcção de Sintra, e já ansiava pela minha estação para me ver livre de tanta sapiência em enciclopédias ambulantes, quando ao virarem mais uma folha das suas erudições, chocaram de frente com algo que me pertencia, a minha sabedoria.

Falavam esses dois doutores da mula russa, sobre Timor, sobre aquilo que nessa altura estava a passar, e do eu tinha fugido, tecendo comentários e discutindo sobre assuntos que nem calculavam sequer o que eram. Estive tentado a interromper as falácias com que se digladiavam, mas a boa educação, cortou-me por duas ou três vezes esse desejo, criando em mim uma exasperação que aumentou em muitos graus o stress de tudo o que eu tinha passado nessa longínqua terra. Pensei seriamente em mudar de lugar, para manter o meu equilíbrio psíquico mas depois de ouvir a nova tendência da conversa, tremi, levantei-me quando o comboio parou numa estação ainda longe da minha, e grosseiramente interrompi as suas bacoradas:

- Desculpem interrompe-los, sabem que essas pilecas de Timor magras e cheias de moscas, de que vocês estavam falando são na verdade cavalos, e vocês são na verdade burros.

Saí do comboio quando ele já se preparava para arrancar, deixando dois indivíduos com caras de parvos, e mais uns quantos com ar de gozo enquanto eu ficava numa estação desconhecida esperando pelo comboio seguinte para voltar para casa.

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Hoje passados uns anos, com o stress próprio da situação vivida já vencido, gostaria de lhes pedir desculpa dessa minha destrambelhada atitude e contar-lhes entre duas cervejinhas, algumas histórias maravilhosas desses nobres animais que nada devem por ser mais pequenos que os cavalos Portugueses, plagiando a famosa frase “Os cavalos não se medem aos palmos”.

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Corria o ano de 1966 nas festas do dia de Portugal e na cidade de Dili, tinham terminado as corridas de cavalo anuais feitas no estádio numa pista feito em volta do campo de futebol. E o vencedor foi um magnífico cavalo preto retinto pertença do esquadrão de cavalaria de Bobonaro, em que o seu treinador, gente do Suai tinha posto o nome de Tatoli metan.

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Uns anos depois, já no Suai onde os cavalos são tratados melhor do que em qualquer outro local de Timor fui conhecer um pequeno potro de cor “Akar be’en”, baio escuro, bem proporcionado mas mais baixo que o pai o famoso Tatoli metan. O dono tinha muita estima pelo animal, e estava-o preparando para as próximas corridas. É forçoso dizer que as corridas de cavalo em Timor são, ainda hoje, diferentes das corridas a que normalmente assistimos em outras partes do planeta. Os cavalos correm sem sela ou seja em pêlo, e são montados por crianças de pouco peso, um cavaleiro com vinte quilos é já muito pesado.

Mas voltando ao nosso cavalinho, era um lindo animal com um metro e vinte de garupa o que equivalia a dizer que em termos de classificação para corridas, pertencia à classe D, que era a classe dos cavalos mais baixos.

Eu era um doido pelo animal e quase todos os dias me deslocava até à sua cavalariça para o ver e afagar. A doença dos cavalos vinha já de longe desde o tempo em que comprara um cavalo barrigudo e o pusera a correr numa corrida de Dili. Apesar de ter ficado em último lugar, sendo por isso alvo da troça dos meus amigos não perdi a minha amizade por estes animais, e jurei mesmo que um dia eles iriam engolir as suas gargalhadas.
Neste momento eu tinha uma coisa que julgava não existir em mim, a inveja.

Mas os tempos mudam e com eles aquilo que as pessoas pensam. Esse meu amigo tinha uma ambição desmedida, e como tinha muito dinheiro, procurava sempre o que de melhor havia. Na região de Atambua a umas horas do Suai, por estradas de buracos e lama, existia um rancho, de Australianos que tinham trazido de lá gado vacum e cavalar, e esse meu amigo convidou-me para ir com ele visitar o local e ver os cavalos que lá existiam. Depois de uma viagem agitada em que foi preciso ultrapassar ribeiras cheias e sem pontes e autênticos mares de lama, fazendo médias como dez quilómetros em duas horas e meia, lá chegamos e valeu a pena.

Enquanto os nossos cavalos tinham no máximo um metro e trinta de altura de garupa aqueles tinham um metro e sessenta o que tirava toda a hipótese aos cavalos pequenos em qualquer corrida. Ele estava nas suas sete quintas e comprou por um preço bastante alto, o equivalente ao preço de quatro cavalos normais, cada um, quatro animais de bom porte e bastante novos.

A revolução começou então nas cavalariças desse meu amigo pois os novos cavalos foram ocupar o lugar de alguns, e foram os mais pequenos que mais sofreram as consequências. Em pouco tempo o bem tratado cavalinho estava preso no meio do capim e tinha sido entregue a um chefe de Suco que era primo desse meu amigo. Era a período dos cavalos grandes.

Doía-me o coração ver aquele animal preso de qualquer maneira sem o tratamento a que tinha sido habituado, e muitas vezes ia perto dele, para o acarinhar.

Um dia estava eu sentado perto da minha cavalariça quando vi o chefe do Suco passar de motorizada, e chamei-o. Ele entrou e mostrou-se pesaroso pois o cavalinho estava doente, não comia e tinha uma ferida nas costas que não conseguiam curar. O dono tinha mesmo dado uma pistola para matar o animal, que estava a sofrer muito. Disse isso e mostrou-me a pistola. Fiquei desesperado e pedi-lhe que não mata-se o animal pois eu tinha um remédio, que injectado o mataria sem ser necessário dar-lhe um tiro.

Saí imediatamente para casa do meu amigo e disse-lhe o mesmo e ele concordou com a injecção. Depois acrescentei, eu vou buscá-lo e dou a injecção, se morrer era mesmo o seu destino se viver o cavalo é meu. Concordou, porque esse cavalo não tinha cura, disse ele.

Saí disparado e apesar de ser já tarde arranquei em direcção de Atambua onde cheguei já bastante tarde. Eu sabia que possivelmente o cavalinho não tinha cura, mas eu tinha que tentar tudo para o salvar. Comprei um medicamento para a surra doença que ataca o sangue dos animais que acabam por morrer. Eu tinha visto que a parte dos rins estavam inchados e foi a minha essa a minha esperança, se fosse o que eu julgava ele poderia salvar-se.

Fiz seis horas de viagem de ida e volta e quando cheguei já passava da meia-noite. Quando cheguei parei o carro perto do local onde ele estava preso com uma corda bastante comprida e o que se seguiu deixou-me muito sensibilizado. Eu estava dentro do carro e ele aproximou-se do mesmo meteu a cabeça pela janela e encostou-a ao meu peito. Eu disse “Belu – amigo - vais ficar melhor”. Eu mesmo dei a injecção e dei-lhe o dobro da dose, pois que o seu estado era mesmo desesperado. Quando tirei a agulha do seu pescoço ele caiu, eu virei as costas e fui para casa. Tinha a consciência de ter feito tudo para o salvar.

Deitei-me cansado e triste pelo animal. Não tinha coragem para o ir ver. De manhã acordei cedo a pensar onde iria enterrar o cavalo, mas a minha surpresa foi tão grande como a minha alegria ele estava de pé a comer a relva no sítio onde estava preso. Eu tinha um novo cavalo que morrera à noite e vivera de manhã dei-lhe um nome novo Belu pois lembrei-me da noite anterior quando ele meteu a cabeça dentro do carro, Mate, porque o vi cair como se tivesse morrido, Moris porque vivera novamente. O meu novo cavalo chamou-se BELU MATE MORIS, e foi o nome de um campeão.


“In histórias de Timor”
mco









sexta-feira, 1 de agosto de 2008

EM MEMÓRIA


Joaquim Inês Martins de seu nome e “Cowboy Lino” de alcunha. Nasceu segundo dizia, na Serra da Estrela, talvez na Covilhã, em Portugal. Da família pouco se sabia a não ser a incompatibilidade com seu pai que dizia ser rico. Falava de vez em quando em viagens que fazia conduzindo camionetas pela Europa fora, e se era verdade ou não, seria difícil de saber. Na verdade a sua vocação para a condução de carros de carga e também de motos era patente.
A alcunha de “cowboy Lino” vinha-lhe precisamente da sua habilidade de andar de moto. Ainda militar punha-se em pé nos patins da sua moto, para fazer continência ao comandante militar quando se cruzava com o seu carro nas ruas de Dili. A sua continência era tão acrobática que foi dispensado, por despacho do próprio Comandante militar de Timor, de lhe fazer continência quando transitasse de velocípede.
Na pacata Dili dos anos 65/66 e seguintes, não haveria certamente ninguém que o não conhecesse. Para ele tanto era homem, o descalço como o calçado, e se tivesse algum problema com alguém, seria só por motivo de algum negócio que não tivesse corrido bem para algum dos lados. Não era um animal político, mas era sim um animal de negócios e de trabalho.
O seu relacionamento com seu pai condicionou de vez a sua vida, e quando chegou a altura de regressar a Portugal, para terminar o seu tempo de tropa, resolveu passar à disponibilidade em Timor. E por lá ficou. Acabou por casar com uma rapariga chinesa de Ermera, e no ambiente de negócios, onde se sentia bem, prosperou, possuindo já duas camionetas de carga e uma casa, quando de um ápice perdeu tudo e perdeu até a própria vida.
Sonhei com ele a noite passada e sem dúvida eu teria de escrever algo sobre ele, um verdadeiro mártir da descolonização feita por Portugal, cuja culpa era como dizia o “metan de Taibesse” que se entretinha a chicoteá-lo, quando estava com os copos, “toma lá por seres Cowboy”.
Paz à sua alma.

mco

sábado, 12 de julho de 2008

O Natal já foi e o Ano Novo também, já passaram mais de seis meses e a inspiração dos nossos colaboradores, morreu, pifou.

Porque eu me oponho ferrenhamente a textos de conteúdo político, torna-se mais difícil que os potenciais escritores, dêem algum contributo para este cantinho.

A necessidade de dar continuação ao meu blog obriga-me, sem ter a magia da escrita de alguns, a encher este espaço com algo.
Para começar e porque a inspiração por vezes, vagueia longe da minha mente, transcrevo esta modesta pseudo-poesia, pedindo desculpa pela falta de nível da mesma.

Mau Lear


PALAVRAS SOLTAS
DE PENSAMENTOS FRUSTRADOS


Fiz um poema lindo em tempos que já lá vão
Era uma poesia a Timor que me ia no coração
Rezava assim: “...no alto de uma montanha
Montado no meu cavalo alazão!”

Era mais que um poema de amor
Era mesmo uma declaração.

Estou no alto desta montanha, mas estou só
Vem Cai Hirik meu amor, hau hadomi ó

Ela era linda,
Seus cabelos negros caíam em cascata de caracóis,
Sobre os seus ombros de lascívia,
Seus olhos negros de azeviche grandes e gulosos,
Não perdiam em beleza com a sua boca
de carnudos e doces lábios,
boca maravilhosa de espontânea e eterna gargalhada
que lhe subia do âmago da sua sexualidade e do seu gosto pela vida.

Toda ela era poesia.
A sua pele era rosada e fina, a sua face ficava
Vermelha de excitação, em momentos de delírio,
Quando o prazer lhe punha o sangue em ebulição.

Ela era um vulcão que rebentava em fogo e calor
Com a lava do amor descendo em ondas,
quente e expeça, pelas faldas do seu corpo de marfim.
Então o mundo acabava aí.

Estou no alto desta montanha, mas estou só
Vem Cai Hirik meu amor, hau hadomi ó.