terça-feira, 18 de dezembro de 2007

domingo, 16 de dezembro de 2007

COMO CONSEGUI FUGIR DA GUERRA



Nesta época Natalícia seria talvez mais apropriado um conto sobre o Natal em Timor, mas apesar das estrelas encherem de luz a noite sagrada e as vozes de alguns ainda cantarem as Aleluias ao DEUS menino nascido nas palhas de um curral, a verdade é que sem neve na natureza, apenas no coração de alguns, e especialmente com os campos de refugiados cheios de crianças sofredoras, todos os contos de Natal em Timor serão forçosamente mentira.
Faço por isso uma pequena transcrição de um texto sobre uma cidade de Dili que já se habituou desde longos anos a ser uma terra de sofrimento (Agosto 1975).
Mau Lear


Saí no lado oposto na ponte de cais, junto do antigo centro náutico, onde extenuado e desgostoso me deitei na areia, sentindo ser impossível alcançar o meu objectivo....................................................................................................................................
O ranger da areia debaixo de pés calçado por grossas botas da tropa acordaram-me sobressaltado. Tentei num movimento instintivo fugir mas logo umas mãos poderosas me alcançaram e num instante fui imobilizado e deitado de novo na areia.
Ainda sem compreender o que se passava nem onde estava, ouvi alguém perguntar em Português correcto o que fazia eu ali deitado. A pouco e pouco o cérebro começou a funcionar e recordei-me então de tudo o que se passara. A escuridão dizia-me que ainda era de noite. De novo me senti arrastado desta vez no sentido vertical e dei comigo com dois militares Portugueses, que me perguntaram outra vez o que fazia eu ali.
Aquela área era, soube mais tarde, área de segurança da residência do Governador Português que se tinha mudado de armas e bagagens para perto do porto de cais, por estratégia, ou por estar mais perto do Ataúro, pensei eu. De qualquer maneira fui bem interrogado pelos pára-quedistas que me tinham aprisionado e que depois de me ouvirem, me prometeram que no dia seguinte eles próprios me iriam levar à ponte de cais.
Pela atitude destes militares, senti que dentro deles existia uma revolta surda por tudo aquilo que se passava em Timor, e tristemente, comentaram que tinham saído da Guiné com o apoio das populações, mas que de Timor teriam que sair debaixo de uma guerra civil que poderia ter sido evitada.
Enfim o “Transatlântico” estava começando a mover-se, devagar, mas com firmeza, na direcção da Indonésia. Acho que eles sabiam disso.
No dia seguinte, pela manhã, depois de abastecido com algumas rações de combate, oferecidas pelos meus captores, fui acompanhado por dois pára-quedistas até ao portão da ponte de cais, aonde grupos armados das duas facções em demanda, se mantinham alerta para não deixarem embarcar líderes e outros responsáveis dos partidos em questão. Por eu ser ainda jovem começaram a por entraves à minha entrada aí, mas a presença dos dois militares Portugueses acabaram por me abrir as portas para eu poder entrar.
Despedi-me dos meus anjos salvadores, com um longo adeus, enquanto eles voltavam para junto da área restrita da nova residência do Governador.
Quanto ao grupo que eu tinha deixado para trás, eles tentaram passar, mas uma das senhoras foi atingida numa perna por uma bala de ricochete, com medo desistiram e teriam voltado, se por acaso a ambulância que transportara a ferida para o hospital militar, os não tivessem transportado também até à ponte de cais.
Como o grupo era composto somente por velhos, mulheres e crianças foram autorizados a entrar e juntaram-se a mim na esperança por melhores dias.

Dili vista da ponte de cais, era uma antítese daquilo que eu tinha conhecido. Os ventos das montanhas circundantes, traziam gemidos e cheiros pútridos de carne queimada e em decomposição. Os ventos de Agosto, traziam pela noite, o hálito acre dos incêndios, aos quais se juntavam os clarões das explosões, dando a sensação de que se iria concretizar as palavras dum dos dirigentes dos partidos em guerra “se for preciso arrasa-se Dili, e edifica-se depois uma cidade de palapa”.

O que mais me horrorizava era sem dúvida os cheiros, principalmente os de putrefacção. Durante três dias não consegui comer nada, pois que o meu estômago negava-se, contorcendo-se em espasmos, a receber qualquer forma de sustento. Nos momentos mais lúcidos da prostração em que caí, os odores traziam à minha mente dorida um passado recente, quando eles, eram habituais para mim. Aí todo o meu ser se agitava, e as minhas entranhas convulsas deitavam fora, somente espasmos, pois que mais nada havia para verter. O esforço deixava-me de novo prostrado.
Eu pensava já não sobreviver à debilidade do meu corpo, mas, eis que vindo do fim imaginário do mar, um ponto negro se dilatou, ficando cada vez maior, até se transformar num navio.
Seria a Nau Catrineta? A minha mente imaginava a história aprendida na quarta classe, da Nau Catrineta e tudo se confundia misturando o real com o ilusório, e eu na minha loucura, rezava, Pai-Nosso, Ave-Maria, Pai Nosso, Ave-Maria, Pai-Nosso, Ave-Maria…




“in Buan”


mco

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

INTRODUCAO




Esta é uma tentativa para demonstrar ao nosso amigo MAU DICK, que ele não só é bom na rima mas também é homem de boa raça a prosar.
Para todos os outros potenciais escritores que vou continuar a espera, com prosas, lendas ou outros escritos sobre o nosso querido Timor, um conselho:
Tentem escrever aquilo que vos vai dentro da alma e mesmo sem pensar deixem que a caneta corra, comandada pelo pensamento. O fim vai de certeza ser bom.
Experimentem, vai ser surpreendente o resultado dessas tentativas.
Mau Lear


RETALHOS DA LEMBRANCA DE UM JOVEM TIMORENSE
POR MAU DICK

5 de Setembro de 2007 5:12
GERALMENTE ESCREVO POESIA.MAS HOJE E AQUI DECIDI APENAS ENVIAR UM ABRACO A MUITOS IRMAOS TIMORENSES DE 1970-1974, CUJO PARADEIRO DESCONHECO MAS A NOSTALGIA OBRIGA.

ANTONIO ALVES
GIL LEMOS
FERNANDO MASCARENHAS
JOAO MONTEIRO (DAS VACAS)
JOAO CARLOS MONTEIRO (PEDUCA)
ELIAS GONCALVES
DOMINGOS OLIVEIRA
JAIME LACLUBAR
ARMANDINA GUSMAO
ISOLDA RIBEIRO
"PUERTAS" RIBEIRO
ORLANDO FRECHES DE SOUSA

VITOR REBELO "O PEIXEIRO"
ALMEIRINDO BAPTISTA
E MUITO, MUITOS MAIS...

23 de Setembro de 2007 4:09
Not bad mate.Que tal as partidas de futebol com a bola a perder-se no meio do capim(Jaime Neves)?Que tal os filmes no Sporting?As iscas do Ze do Benfica?

26 de Setembro de 2007 3:49
Também me lembro da central de tratamento de aguas, dos Neves(x2), dos Noronhas, da Maria do Socorro.

27 de Setembro de 2007 4:33
Já que estamos em Lahane vou te contar a historia do Sr.Cadaxa.Ele foi apontador das Obras Publicas e necessitava de licença de motorizada (Florete).

O Sr Mortagua foi o examinador e vai atras dele no dia de exame, Lahane acima.
Ele mete a segunda, terça e quarta mudanças e a moto começa a perder forca.

Diz o Mortagua: Mete outra ao que ele responde: Já não ha mais!
E já agora lembro-me do Sr Godinho a caminho do hospital, no minimoke e de marcha atras.Que tal esta?

3 de Outubro de 2007 5:28
Picou-me o bicho e lembrei-me agora da única tourada que Timor presenciou lá para os lados do matadouro, ao pé da ribeira da Maloa.

Fez-se uma vedação "a La palapa" e, arranjou-se umas vaquinhas.
Não tivemos o grupo de forcados do Montijo, ou da Moita, tivemos sim meia dúzia de Portugas de barba rija que deram o pira mal as vaquinhas saltaram o cerco.
Desde essa data as coisas melhoram, e, touros não faltam.It's about time to have the second bullfighting.


3 de Outubro de 2007 5:34
Naquela altura, na Imprensa Nacional de Timor, o Sr Leal estava de saída, e o meu defunto amigo Aleixo Corte Real era a pessoa mais indicada para o lugar.

Mas o Cristóvão Santos ganhou a corrida e para que as coisas não ficassem tão mal criou-se uma dupla entre eles.
Sim lembro-me da Amalia, da Flavia e demais colegas.
Também eu estagiei para ser revisor de provas.
Ainda no outro dia a Nuta escreveu no seu blog sobre esses tempos que já lá vão.Recordações que jamais esquecerei, quer faca chuva ou faca sol.

3 de Outubro de 2007 5:38
Também passei uns mesinhos nas oficinas de Obras Publicas, na ferrugem, fruto de ter chumbado no segundo ano do ciclo preparatório.

No tempo do Srs.Rotario, Antonito Santos, Luís e Raul Filipe, Maukuna e muitos mais amigos. Ces't la vie.

4 de Outubro de 2007 5:08
E claro que me lembro do Fernando, Francisco, Nelio, Otávio e das raparigas.
A mãe a D. Matilde e o pai Sr. Oliveira, que mais tarde se mudaram para a casa que construíram ao lado de onde era a única farmácia privada (do Sr. Ricardo), não contando com a do Mao Deruk e a do estado onde trabalhava a farmacêutica filha do Sr. Fonseca, (moreninho carregado).

No vale moravam os também os Faíscas, entre outros.Havia um cabo português da tropa que se casou com uma moca chinesa, ficou lá a trabalhar na pecuária, que era muito amigo dos Oliveiras.
O Otávio era o meu mate, especialmente no tempo quando ele namoriscava a Olinda. (filha do falecido trinta cabelos).
Como vês sou uma enciclopédia pronta a desfolhar.

4 de Outubro de 2007 5:10
E os Tavares. Lembras-te do Jacaré?

Um Abraço(Estes não pagam imposto)


6 de Outubro de 2007 4:44
De Balide, lembro-me dos Gonçalves (Ana Severina), e do posto de segunda linha ao cantinho, do colégio das madres (mama mia, que recordações), do padre Brito, da família Menezes, dos Santos, dos Ricardos. Dos Macarenhas, foram meus colegas o Fernando, Frederico de Hatolia, dos Gonçalves, o Fernando (o puto filas).
Do quintal Mascarenhas era o local com mais dedicatórias do programa musica a seu gosto, de que eu preparava os pedidos, escolhia os discos e a minha vizinha vai a praça e não leva vintém, mas na volta trás feijão e massa, algum feitiço a vizinha tem.
Um Abraço

(A preço de saldos)

9 de Outubro de 2007 4:17
Arlindo, (Martins) conheci-o ha muitos anos. Irmão da D.Albertina, D.Fernanda e da Lurdes (Baessa) que trabalhava na SOTA, no tempo do Sr.Antero.
Outro era Marcal, condutor dos Serviços de Educação de Timor.
Havia um Arlindo que era monitor escolar, de que não me lembra o apelido.

12 de Outubro de 2007 6:25
O outro Arlindo es tu.
Só que eu me fiz de despercebido e tu mordeste a isca desta vez.
Um Abraço Arlindamente

18 de Outubro de 2007 5:30

CIRCO MORTO-VIVO
CONVIDA-SE A POPULACAO EM GERAL PARA PRESENCIAREM NO PROXIMO DIA , O
ESPECTACULO DE GALA, INTITULADO "CIRCO MORTO-VIVO".
O ESPECTACULO, EM DUAS PARTES, FAZEM PARTE "OS ETERNOS PALHACOS",
E, SERA APRESENTADO PELA PRESTIGIOSA FIGURA "11 CENTIMETROS".
O ACTO MAIS IMPORTANTE SERA O APARECIMENTO DO MORTO-VIVO "A LA HOUDINE"(SORT OF)
TERA LUGAR DO ESTADIO NACIONAL, COM INICIO AS 15HRS LOCAIS.
A ENTRADA E GRATUITA.

UM ABRACO

MAU DICK

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

O INIMIGO

Este texto foi tirado do livro "A historia de uma menina de Timor ou como Bui Terssa descobriu o Mundo" e descreve a historia de uma menina Timorense de 5 anos de idade que se viu obrigada a viver escondida no mato, para fugir as tropas Indonesias e mais tarde a cohabitar com o Invasor.

Um dia.., não sei qual a data, mas sei que era no fim da época das chuvas, o céu nasceu cor de breu e sem matizes que nos dessem um pouco de serenidade. O negro do céu era total e dava ao ambiente um travo de amargura que deixava as nossas almas tristes e os nossos corações cheios de angústia. Só a ténue luminescência do astro-rei esgueirando-se por alguma frecha esquecida da capa que nos cobria, dava a indicação de que o dia já tinha despontado. Para mim era deprimente este cenário pesado e negro do ambiente que nos rodeava. Abruptamente ela desceu em catapultas. O céu abriu-se, como se o peso do negrume fosse tal que retalhasse o fundo do firmamento, derramando a sua essência sobre a natureza estarrecida.
A cortina de água que caiu, era um fenómeno algo frequente em Timor, geralmente de breve duração, mas ocasionando sempre enxurradas destruidoras.
O nível de água depressa subiu e a pequena ribeirinha contígua ao nosso abrigo, começou a extravasar do seu avoengo leito, inundando as margens e tornando a gruta num lago subterrâneo. O meu avô temeu o pior e mandou que o meu tio “António Aman” levasse a minha avó, eu, a minha tia mais nova, Natália e o meu tio Cristóvão para o outro lado da ribeira, onde nos refugiaríamos numa casinha que havia na horta.
Aí começaram os nossos problemas.
Depois de ultrapassada a torrente e também a vedação do quintal, dirigimo-nos para cima onde estava a guarda, com o fito de nos refugiarmos da chuva que era diluviana. Ao chegarmos perto de um maciço de bananeiras, a minha avó quis cortar uma folha para nos servir de guarda-chuva, eis quando surgindo do nada, soldados de armas em punho apontadas a nós nos cercaram, e alguém na língua Mambai nos mandou pôr as mãos para cima e que não tentássemos fugir, pois que disparavam a matar.
Fiquei apavorada e agarrei-me à minha avó que se sentou de cócoras e me abraçou, também cheia de terror. A minha tia Natália que teria pouco mais ou menos quatorze anos e o meu tio Cristóvão, de quinze, ficaram ambos abraçados e paralisados de medo, o meu tio “António Aman”, apenas levantou os braços em sinal de rendição.
Num ápice, estávamos rodeados de buracos negros que apontavam para nós ameaçadores e feios. O tradutor, um Timorense de etnia Mambai como nós, ia explicando que não era necessário termos medo pois os “Pápas *” não nos queriam fazer mal. Mandaram então que subíssemos na direcção da casita que servia de guarda da horta, onde nos sentámos encolhidos a um canto cheios de pânico. A minha avó tremia como varas verdes fustigadas por vento selvático, eu chorava baixinho com medo de que os demónios que nos rodeavam me ouvissem. Os meus outros tios também encolhidos de cócoras faziam por sobreviver.
A minha avó entretanto, sussurrou-nos que disséssemos que estávamos sozinhos, se eles perguntassem por outras pessoas. Não perguntaram nada. Após a chuva parar, mandaram que seguíssemos em fila indiana no meio deles, para lugar indeterminado. Atravessámos a horta e começámos a descer para a ribeira de Cumain. Eu ia bem agarrada à minha avó ainda com as pernas a tremer, de frio e de medo. A velhota estava com muita tosse, ficando por vezes quase que sufocada.
Quando chegamos à ribeira esta levava bastante água e como o meu tio “António Aman” estava a amparar a minha avó, um dos “Japaneses *” pegou em mim e pôs-me às cavalitas, para a atravessar. Tive tanto medo que fiz chichi em cima do mafarrico que me carregava, mas talvez por estarmos todos empapados com a água da chuva e porventura não tivesse sentido, ele não me disse nada.





“in A historia de uma menina de Timor
ou como Bui Terssa descobriu o mundo”

mco

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· Japanês - era a inicial maneira usada pelo povo, para chamar os Indonésios.
· * Pápas - de Bapak (língua Indonésia – senhor ) maneira do povo chamar os Indonésios
.

domingo, 23 de setembro de 2007

A cidade de Dili dos anos sessenta




Peco desculpa se não é esta a Dili que conhecem. A visão que vos apresento é muito pessoal e refere-se a um quadro muito querido de algo que passou, e não mais voltara. Foi a cidade onde me fiz homem, onde os grandes momentos bons e maus da minha vida, tiveram lugar, onde morri e nasci mil vezes, num imaginário de amor recortado por momentos de ciúmes ódios e mesquinhas vinganças. Aqui me realizei como ser humano e algumas vezes desumano. Dili é o coração da minha existência.




A cidade foi para mim um assombro. O Senhor padre entregou-me em casa do meu padrinho. A casa ficava situada no Vale de Lahane e encontrava-se situada a meia encosta donde se via o mar e Dili por baixo. Os meus olhos procuravam avidamente abarcar tudo de uma vez e nos dois dias seguintes fiquei observando cada pormenor do horizonte que se podia lobrigar da varanda da casa. Os filhos do meu padrinho bem me desafiaram para ir passear com eles, mas a metamorfose que a minha vida tinha sofrido, fora muito rápida e os medos acumulados ao longo de anos ainda não tinham sido debelados e reflectiam-se no meu dia a dia.



Percorri Dili de lés-a-lés e ficava cada vez mais maravilhado com o que descobria. A cidade era muito limpa e cuidada. Os quintais e jardins bastante arranjados e tinha um grande movimento nas ruas, onde os soldados Portugueses, se cruzavam com Timores,
Chinas e Árabes numa perfeita simbiose rácica.

Era a gloriosa Dili, onde uns atropelavam e outros eram atropelados, onde uns vendiam e outros compravam, onde uns andavam calçados e outros descalços, onde a cor da pele ia do amarelo ao branco passando pelo chocolate e café com leite, onde os olhos de amêndoa eram os verdadeiros senhores feudais, disfarçados de vendedores, onde os olhos sonhadores das sereias, trocavam promessas de noites tropicais com os olhos sempre ávidos dos Malais, * onde a brisa quente das noites, trazia suavemente as vibrações da “Música a seu gosto”* ouvida em todos os rádios espalhados pela capital e não só, com promessas lúbricas, dirigidas à “estrela do oriente”* ou a outra estrela qualquer, tudo isto, bem misturado com os Jack Pott* no Amadeu Coelho, as vozes gritadas do Teixeirinha ou Roberto Carlos que saíam por entre as frestas das palapas da Colmera e se esvaíam no éter morno e cheiroso a Laco.*
Para acabar tínhamos ainda a má língua das varandas corridas, as Kore Metan, * o pó das ruas, o calor, o som rouco e melodioso do violino do Abril Metan* e os mosquitos.

Dili era mesmo especial.

Ao fim de um mês eu conhecia bem o pulsar da vida da cidade. Da varanda da casa local que eu escolhera para estudar, podia ver e sentir que a cidade tinha um coração que palpitava aceleradamente, desde a manhã até que à noite cansada se rendia.
Depois da meia-noite, só algum noctívago quiçá bem etilizado se aventuraria a roubar a noite às Pontianas, seres maléficos que apresentavam aspecto lindo de mulher com longos vestidos até aos pés, para ocultar que estes não assentavam no chão e que deslizavam somente
Elas enganavam os homens e aqueles que fossem no seu engodo, iam de certeza parar ao inferno. Eu à noite não saia de casa depois do criado do meu padrinho o Júlio me ter posto a par destes seres e dos espíritos, donos da terra “Rai Nain” que se refugiavam nos milenários gondões, da estrada de Balide, de grandes lianas pendentes a roçarem o chão.



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* Malais, – Aportuguesamento da palavra Malai que significa estrangeiro, fazendo plural. Neste caso Malais que são os soldados Portugueses.

* “Música a seu gosto” – Programa da rádio de Dili com grande audição em todo o território, onde se dedicavam músicas.

*“Estrela do oriente” – Era uma das mais famosas dedicatórias do programa “Música a seu gosto”

*Jack Pott – Máquinas de Jogo, de uma casa aberta no antigo café do Amadeu Coelho.

*Laco – Aportuguesamento da palavra (Tetum) Laku, nome dado a um pequeno animal, parecido a uma raposa, com um cheiro muito próprio (Paradoxurus musanga).

*Kore Metan – Festa para tirar o luto, feita ao fim dum ano, geralmente com jantar e baile, além da prática religiosa.

*Abril Metan – Antigo tocador de violino, mestiço de origem Africana, talvez descendente das tropas Landins, que tinha o mais célebre conjunto para tocar em festas e nas Kore Metan.


(in “Buan”)

mco

sexta-feira, 31 de agosto de 2007

TIMOR E A SOLIDAO

Estou sem inspiração mas quero escrever em verso alguma coisa sobre Timor.

Algo que me liberte e me tire o peso do coração, uma boa noticia, será possível ou não?
Nada de política, nada de desgraças, nada de soberbas nem de tiros.

Mas uma névoa sentida de amor, e carinho que distancie da terra amada, toda a pulhice e sangria.
Uma nuvem de veneno puro e gostoso que limpasse o mal cheiroso, a maldade e o
desespero.
Que desse a Timor o caminho maravilhoso das estrelas e constelações cheia de milhões de anos de luz e salva de complicações.
Mas a porcaria da inspiração não me vem, e eu nesta solidão, nesta confusão de soberbas e de tiros desisto.
E engulo o tal veneno puro e gostoso.
Mau Lear

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

UMA VIAGEM DE CAMIONETA PELAS MONTANHAS DE TIMOR


A viagem foi longa e perigosa.
As estradas, se assim se poderiam chamar esses caminhos pedregosos e cheios de buracos, serpenteavam montanha acima, em apertadas e perigosas curvas, flanqueadas por profundas e abruptas encostas. A camioneta uma velha Bedford conduzida por um velho condutor chines arquejava estrada acima e eu, tinha a sensação de que ela, era mais larga do que a estrada. A grandeza abrupta da paisagem tornava-nos seres minúsculos e desprezíveis mas valentes, pela coragem que era necessária, para conduzir um pedaço de ferro enferrujado, como o fazia o condutor china e pelos que sentados ao seu lado se agarravam desesperados a qualquer apoio, na esperança de que, se algo de errado acontecesse, seria essa a salvação.
O padre que ia sentado do lado de fora, (eu sentava-me entre ele e o condutor) dava-se ares de valente e, apesar do seu sorriso ser amarelo, gozava à grande, do ar pálido do meu rosto. Eu tinha o meu estômago transformado num novelo de linhas, mas, o próprio medo fez-me reagir e repararei então que o padre em diversas ocasiões punha a mão perto do manípulo da porta, preparado para o pior. O auge de toda esta epopeia, foi quando numa subida de quase noventa por cento, surgiu uma curva em cotovelo, onde o velho veículo teria de fazer manobra, porque a amplitude do arco descrito pelas rodas não chegava para completar a curva. Do lado esquerdo da estrada, a bocarra negra do precipício, parecia esperar que a atracção pelos abismos, produzisse efeito e pagasse a portagem pela nossa coragem e atrevimento. A velha Bedford parou num inverosímil e precário equilíbrio, com todos os travões accionados. Lentamente, o experiente condutor, começou a deixá-la descair em marcha-atrás na direcção do abismo, para depois numa manobra rápida e arrojada arrancar de novo, conseguindo completar o quase circulo da curva, roçando ainda com o guarda-lamas do carro nas faldas da montanha. Eu estava aterrorizado, mas o padre, estava mais pálido do que eu, tinha os lábios a tremer, como se estivesse a rezar, é que estando à janela da camioneta via lá nas profundidades dos penhascos, os contornos do fundo do inferno.
Depois de muitas curva e contra curvas de arrepiar, chegámos por fim ao alto da cordilheira. O ar era fresco e tornava a respiração ofegante. O carro parou como que para tomar de novo alento para o resto da viagem. Tinha aquecido demais, dizia o meu herói, que era sem dúvida o velho condutor chinês. Estávamos quase no topo de Timor. Deste local apenas se avistava os sopés e encostas das montanhas escaladas, e se em baixo nos sentíramos pequenos, cá em cima, sentiamo-nos verdadeiramente impotentes para compreender como poderia tanta grandeza existir sem o espírito de Deus. Para cima de nós pouco mais haveria.
Depois foi a descida. Vales, viçosos e verdejantes, hortas bem cuidadas como só o sabem fazer os povos das montanhas, ribeiras sem pontes, onde a camioneta qual gigantesco sáurio mergulhava resfolegando, deixando o meu coração pequeno de medo, descidas algumas vezes medonhas, mas até Dili nada mais foi como a subida das montanhas que tínhamos feito anteriormente.
- Tiveste medo da subida? –Perguntou-me o Senhor padre, já mais senhor de si.
- Muito medo! – Anui eu com vontade de lhe dizer que o meu medo e o dele tinham sido iguais.
- Então estás com sorte porque a descida daquelas montanhas é muito pior que a subida.
Fiquei calado pois que recapitulando mentalmente o que tínhamos subido, achei que ele teria forçosamente razão.
Ao fim de quase cinco horas de ser amassado dentro do monstro de chapa que nos transportava, chegámos ao alto de uma montanha donde se via o mar e Dili. O Senhor padre pediu ao condutor que parasse, com o intuito de urinar no meio do mato.
Desci do carro e reparei então. Em baixo junto do mar a cidade espionava por entre as folhagens de frondosas e milenárias árvores, qual donzela envergonhada, em demanda do seu bem amado. Não se podia ter uma noção real da sua grandeza mas a planície por onde se espraiava era bastante extensa. Bem perto do mar e destacando-se dos outros edifícios, estava um que pela sua altivez, se impunha, era o palácio do Governo. Um pouco mais à frente e mais para a esquerda estava o cais que primava nesse momento pela ausência de qualquer barco.
Dili vista de cima, não era nem por sombras tão bonita como era na realidade.
Continuámos a descer e passámos por um grande tanque de água que parecia uma piscina. O Senhor padre disse-me então que, um pouco mais para cima desse local, ficava o Seminário que eu talvez um dia viesse a frequentar. Descemos, descemos sempre pela estrada de terra batida até que já se sentia o cheiro da cidade. O primeiro contacto com a Praça, como era uso chamar-se a Dili, foi quando chegámos ao que o Senhor padre me explicou ser o palácio do Governador. Era lindo, com um grande tanque de água mesmo em frente. O edifício tinha dois torreões, um de cada lado da entrada que era servida por uma escadaria descendo para o Jardim. O Palácio estava pintado de branco e a sua alvura contrastava com o verde das folhas e o vermelho das acácias que o circundavam. Mesmo por cima da porta o escudo Português, que eu tinha estudado na quarta classe e por cima deste a bandeira de Portugal.
O palácio era rodeado por jardins e um gradeamento que terminava na casa da guarda com dois grandes portões em ferro. Tudo isso era bem diferente dos locais onde eu nascera e me criara!

(in “Buan”)

mco

domingo, 19 de agosto de 2007

UM BAZAR ALGURES EM TIMOR

No Bazar, – mercado – as bancas, eram panos, ou esteiras estendidas no chão, onde se vendiam principalmente produtos agrícolas, mas onde não se fiava a ninguém como nos chinas. As bancas encontravam-se alinhadas pela direita, bem vigiados por um sipaio de vara na mão, pronta a castigar os incautos que se atrevessem a desrespeitar as regras da disciplina que todos tinham de acatar. Como excepção a essa regra só os milhões de moscas e moscardos que, voando em nuvens, provenientes das largas dezenas de cavalos de carga, presos perto do local, atacavam teimosamente os olhos dos seres vivos. Quando digo seres vivos, os porcos presos por uma pata e de grunhido permanente, os galos altaneiros esperando pela hora da luta, ou os esqueléticos cães com uma coleira de corda ao pescoço, continuada por um pau para que não pudessem roer a corda, além dos frangos e galinhas amarrados pelas patas e pendurados de cabeça para baixo, esses, também eram seres vivos, não sendo menos molestados que os humanos.

Mas, o Bazar, apesar da disciplina imposta pela vara do sipaio tornava-se num pandemónio, logo após o toque da sineta, que autorizava o começo das transacções.

Era o ataque geral. À força de cotovelos, e empurrões, sem respeito pelas regras de trânsito, onde se via bem explicita a lei do mais forte, ansiosos de serem os primeiros a chegarem aos artigos que queriam comprar, os compradores, furavam e debatiam-se, numa competição que servia de pretexto, para o aumento dos preço, dos produtos expostos.
O anterior, quase se pode dizer, silêncio, era substituído por uma algaraviada de vozes, sotaques e dialectos, já não falando dos gritos e insultos, que tornava o bazar numa autêntica torre de Babel.
Eu estava notoriamente aturdido com tanta barafunda. Um dos moradores, corajosamente, depois de dizer que já voltava, enfiou-se destemidamente no meio desta batalha campal e depois de algum tempo, surgiu ileso, com um atado de tabaco, de cor amarela acastanhada e que na opinião dos entendidos, era o de melhor qualidade, pois tinha vindo do Suai, um outro Concelho, longe do nosso.
Eu, como estava com medo, que alguém me reconhecesse e lançasse o alarme, disse aos moradores que deveríamos continuar a nossa viagem, até ao nosso destino, destino esse, que eu tanto desejava e que, pelo seu imprevisto, tanto temia.

Afastamo-nos então desta contenda que tinha abrandado em violência, mas não na chinfrineira e, começamos a subir, o íngreme caminho empedrado que nos conduziria para a residência, ou melhor dizendo, para o complexo residencial e repartições públicas, da sede do Concelho.
O ambiente que existia no cimo da subida era totalmente diferente, daquele que tínhamos deixado havia poucos minutos.

A limpeza das ruas bem cuidadas, com frondosas árvores e jardins vicejantes, onde o verde de diferentes cambiantes, contrastava com a brancura imaculada das paredes das construções estilo colonial que os rodeava, um silêncio profundo que dava para ouvir o chilrear dos pássaros que em pequenos bandos, esvoaçavam de árvore em árvore pousando aqui e ali, à procura, gulosos, das afogueadas flores das acácias rubras, para depois de saciados e de novo juntos, tentarem em voos rasantes, plagiar o esvoaçar das nuvens de moscas que tínhamos deixado para trás.

Tudo era lindo e ordenado. Ali estava a escola, a secretaria do Concelho, a pousada, tudo ajardinado e o que mais me interessava, num extremo, a residência do Administrador, contraposta ao hospital que se distinguia ao longe.
Respirei fundo, enchendo os pulmões deste ar rarefeito que me fazia sentir mais leve e feliz por estar aqui.

(in “Buan”)

mco

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

LENDAS E LEGENDAS




Caro amigo Mau Lear ao procurar noticias sobre Timor dei com o seu blog e como amante de tudo o que diz respeito a essa Terra “que o sol nascendo vê primeiro” não resisti a tentação de dar uma vista de olhos pelo que estava escrito nele. Gostei. Sei que vai ter dificuldade de sobreviver pois que as pessoas muitas vezes não se interessam pela calma literatura sem política e contestação a mistura, mas talvez se os escritos aceites por si forem fora do contexto político, ao fim de algum tempo as pessoas se interessem em escrever umas linhas. Comigo pode contar incondicionalmente, e para começar ai vão umas historietas:


Todos os que se interessam por assuntos de Timor sabem que existem alguns itens que estão desde sempre ligados a sociedade tradicional Timorense, o galo e a luta, o cavalo e as corridas, as suriks etc.etc.etc.. Todos eles tem uma forte ligação a personalidade TIMORENSE.
O Galo e o companheiro por excelência do homem timorense e acompanha-o sempre nas suas saídas, quer para festas tradicionais, quer para os bazares. Ele e a representação do espirito guerreiro do seu dono e esta sempre pronto a morrer por ele e este, revê-se na sua valentia.
Quando a “tara” volta suja de sangue e penas do adversário, e o delírio e quando o adversário morre ou foge e o “Bidu,” o mesmo, com que, em tempos de antanho, festejavam as vitorias sobre os seus inimigos.
Alem do galo, o cavalo e de uma importância crucial na vida e economia de Timor.
Como poderíamos conceber a sociedade Timorense sem cavalo?
Como ir ao Bazar por montes e vales, para trocar produtos, especialmente da terra, por outros produtos necessários ao dia a dia ?
O cavalo na vida do Timorense e alem do factor riqueza também uma necessidade das mais prementes para a sua sobrevivência.
Estes animais pequenos de corpo, mas de uma resistência de ferro, ao longo dos tempos influenciaram definitivamente a vida, no transporte de pessoas e bens, no trabalho pisando os campos de arroz e muitas vezes nas competições, como corridas tradicionais, enriquecendo o seu dono ou levando-o a miséria .Queria contar aqui algumas historias de cavalos que mudaram quase radicalmente a vida dos seus donos
.



A historia do Cavalo LEKEDE


A historia do cavalo LEKEDE e bastante antiga, talvez não chegue aos cem anos mas deve andar perto dos sessenta e tais, para mais. Nesse tempo era Liurai de Fatu Mean um mestiço chinês chamado Nai Klara. Ele era um jogador mas era também um homem muito esperto.
Contava-se que era o chefe do grupo de salteadores que roubavam do outro lado da fronteira (Indonésia) o gado balines que se desenvolvia nas regiões limítrofes do seu suco.
Dizia ele a boca cheia que os Holandeses tinham introduzido o gado balines na Indonésia e que ele o tinha introduzido em Timor (roubado).

Nessa época havia em Betun, do outro lado da fronteira, um regulo que tinha um grande antagonismo com Nai Klara, esse regulo possuía um cavalo muito rápido, mesmo imbativel e desafiou Nai Klara para uma corrida de cavalos.
Haveria uma aposta forte em dinheiro, gado bovino e cavalar entre os dois liurais e também entre o povo.

Nai Klara tinha bons cavalos, ele era um amante desses animais, mas não tinha nenhum que se pudesse bater com o outro cavalo, ele sabia isso, no entanto ele aceitou o desafio.
Mensagens para ca mensagens para lá, a aposta ficou concluída e o dia da corrida marcado. Ficou acordado a pedido de Nai Klara que haveriam duas corridas, a primeira do outro lado da fronteira e a segunda do lado do Suai.

Ora Nai Klara tinha dois cavalos brancos, irmãos, igualzinhos e enviou para a corrida um deles de nome LEKEDE.
A corrida não era feita em pista circular mas em corta-mato de um local ate outro, com alguns quilómetros de distancia, o cavalo de Betun, ganhou com um avanço muito grande.
Nai Klara perdeu e pagou a sua aposta. O povo do Suai pagou também a sua divida ao povo de Betun sem pestanejar.
E durante uma semana o povo de Betun veio a Suai cobrar a divida e levou gado e bens para o outro lado da fronteira.

Nai Klara fez-se esquecido sobre a segunda corrida ate que passados dois meses o Liurai de Betun, de novo, quis marcar a corrida no Suai.
O Liurai e o povo de Betun apostaram tudo o que tinham, em gado e dinheiro, com a ganância de ganharem toda a riqueza do povo do Suai.

Na data aprazada, o povo de Betun invadio o Suai, para começarem a cobrar a divida logo após a corrida, pois seria impossível eles perderem a competição.
Começou a corrida e o cavalo do Liurai de Betun ganhou logo a dianteira ate desaparecer de vista, nessa altura o Liurai Nai Klara mandou o cavalo branco que alinhou na partida voltar para Fatu Mean. O cavalo branco era o irmão gémeo do Lekede, e este encontrava-se escondido num bosque, perto da meta final. Quando o cavalo de Betun se aproximou ele saiu do esconderijo e ganhou a corrida.
O povo do Suai entrou em Betun e trouxe toda a riqueza desta zona para casa.

Esta historia não e uma lenda, aconteceu na realidade, eu conheci pessoalmente o cavaleiro do LEKEDE, já bastante velho e de corpo pequeno e franzino. Em Betun afirmaram-me que depois da corrida do LEKEDE nunca mais aquele povo foi rico.


mco.














sábado, 21 de julho de 2007

Uma Lenda verdadeira


Num dos pontos mais altos do reino de Buburssusso, a mais de mil e quinhentos metros de altitude e empoleirada no pico de uma montanha, fica a povoação de AITUHA.
Fortaleza natural, rodeada de penedos que a defendem como se fosse um castelo medieval, a povoação como todas as outras desta zona, e um aglomerado de casas feitas de bambu, que apenas difere das demais porque e a residência de uma lenda viva, única em Timor.

Desde muito cedo me apercebi que o povo de Buburssusso era diferente do restante povo dessa zona, principalmente pela tonalidade da sua pele. O Liurai Funo Berek era homem para os seus sessenta e tal anos, mas apesar da sua idade ainda corria a cavalo, como se fosse um homem de quarenta.
Sabedor que existia ali uma mistura de sangues procurei saber, mais por curiosidade, de onde lhes vinha essa mestiçagem.
Interrogado mostrou-se evasivo, e começou por dizer que o seu povo era mesmo assim, que como rezava a historia tinham vindo de We Hali, We Sei, We Bico e We Tama, e bla, bla, bla, que fingi acreditar. Tentei então novos caminhos e de pergunta em pergunta fui cercando a verdade, ate que sem maneira de fugirem a ela, me propuseram uma visita a povoação de Aituha.

Porque a povoação de Aituha, perguntei? A resposta foi simples e desconcertante: Foi ali que tudo começou.

Fomos a cavalo porque ainda era longe de Oro Lora, local onde nos encontrávamos e depois de um aprazível passeio por entre hortas e plantações de bambus, começamos a subir ladeados de pedregulhos para a povoação de Aituha.
Como nesta zona se fala o Lakalei um ramo da língua Idalaca, que eu a não sei falar tive de usar um tradutor do Lakalei para o Tetum.
O chefe da povoação era um antigo soldado do esquadrão de cavalaria de Bobonaro, de seu nome João Freitas, que logo se prontificou a ajudar-nos
no nosso objectivo, e nos levou directamente, com um aparente sentimento de alivio para junto de um “lian nain”.
Este era um homem bastante alto, mais alto do que a media Timorense, de pele branca com bastantes sardas no rosto, olhos claros, e cabelo já branco mas com aspecto de ter sido alourado.
Se era estranho o facto de encontrar no alto desta montanha perdida no interior de Timor uma pessoa como esta, mais estranho seria talvez o como isso teria acontecido.
Depois de uns momentos de estupefacção as perguntas começaram a afluir a minha mente em catapultas e tive de fazer um esforço para controlar a minha ânsia de saber.
O povo de povoação começou a pouco e pouco a sair das suas casas e a juntarem-se a nos e pude constatar que olhos claros e pele com sardas alem de cabelos alourados não eram só os do velho lian nain. Raparigas que eu nunca vira e velhotas todas elas apresentavam fortes indícios de mestiçagem. E aqui começa a LENDA.

“Tempo houri uluk.....” E começou tudo de novo, viemos do We Hali We Bico ......bla.....bla....bla.....Tive que cortar e explicar que não era essa a historia que eu queria ouvir, mas o porque da diferença racial entre o povo de Aituha e do resto de Timor. Então muito a custo a Historia tornada lenda saiu das brumas do passado, um passado que essa mesma lenda procurava desesperadamente esconder.

“Certo dia as mulheres foram buscar agua a nascente que havia por debaixo da povoação a uns dez minutos a pé, e quando lá chegaram viram no fundo da nascente uns espíritos de pele branca. Com medo fugiram, mas os espíritos chamaram-nas e a pouco e pouco elas foram-se aproximando de novo. Quando olharam novamente para esses espíritos eles riram para elas e elas ficaram também com os cabelos os olhos e a pele da mesma cor da dos espíritos.”

Era a LENDA VERDADEIRA, pois que lenda era ela e verdadeira também.
Era bem visível aquilo que os espíritos de pele branca tinham feito.
Essa era a verdade.

Fiquei na duvida se seria honesto da minha parte aprofundar mais o problema uma vez que esta lenda nascera por ventura de uma necessidade de ocultar a realidade dos factos.

“Viagens por esse Timor fora”
Manuel Mau Kruma






sábado, 14 de julho de 2007

As Terras de Rai Maliak

Nas profundezas de Timor, onde só chega quem quer lá chegar e entre as montanhas de Buburssusso e Caicassa, serpenteia a ribeira de Laclo do Sul.

Se a descida de Caicassa para a ribeira põe o coração num constante sobressalto, principalmente se usamos o cavalo como meio de locomoção, não ficaremos mais descansados ao chegar a ribeira.

Ao medo da descida "se o cavalo escorrega, ou tropeça," sucede a apreensão e sentimento de pequenez pela grandiosidade e aridez desse vale.

O leito da ribeira, alarga-se do sopé de uma montanha, ate ao sopé da outra. O deserto de areia e pedras vem lá de cima, pois que vemos a próxima curva da ribeira como que ao nível dos nossos olhos, e e com apreensão que iniciamos a travessia, rogando a Deus que não venha uma enxurrada por ai abaixo.

Dos dois lados da ribeira as montanhas erguem-se abruptas e se o sol não esta a passar mesmo por de cima, este vale cobre-se de sombras feitas pelas escarpas circundantes.

A agua de coco "nun kau" que bebemos em Caicassa, e que nos soube melhor que qualquer refrigerante, já lá vai e a boca torna-se seca e com sabor a pó e a areia.

O deserto pedregoso que nos rodeia faz-nos pensar em almas penadas, dançando ao ritmo dos remoinhos do vento que sopra e cujas penas sejam as de rondarem eternamente, este solitário ermo.

O caminho-de-pé-posto, qual auto-estrada, serpenteia pela ribeira ate ao ponto onde se subdivide, subindo um em direcção ao reino de Buburssusso e o outro pela ribeira abaixo, para mais alem, subir também a montanha para o suco de Fahi-Nehan. Seguindo o segundo caminho o que segue em direcção de Fahi-Nehan, iremos encontrar um pouco mais a baixo do começo dessa subida, outro desvio que nos levara ribeira a baixo ate a entrada de RAI MALIAK.

O local e árido, seco e deserto. Algumas arvores das quais resta muito pouco e bastantes "Ai lokes" alem do capim, são a vegetação predominante da pequena planície que e cercada de montanhas a toda a volta, num circulo perfeito, com apenas uma entrada que fica virada para a Ribeira.

Paramos em Rai Maliak para nos refrescarmos e porque o local me enchera de espanto. Os velhos disseram-me que antigamente no tempo dos avos teria havia ali uma povoação muito grande, com muita gente, mas um dia foram todos embora, não se sabe para onde.

As minhas perguntas foram a pouco e pouco ficando sem resposta, mas pelos olhos dos velhos vi que as respostas existiam mas eram já do reino do sobrenatural.

Sentei-me numa pedra que se encontrava a sombra de um ai loke, e pus-me a pensar como seria este local, numa noite de lua cheia.

Ribeira a baixo em direcção a planície de Hai Naruk, embalado pelo andar bamboleante do cavalo, ia sonhando que um dia havia de voltar, na tal noite de lua cheia, quando todas as almas que por ali andavam se libertassem dos seus corpos de veados para dançarem languidamente ao som do tebe.



"Viagens por esse Timor fora"
Manuel Mau Kruma

sexta-feira, 13 de julho de 2007

EM JANEIRO DE 2008 VAMOS TER ALGUMAS MUDANÇAS NA ORTOGRAFIA UMA TENTATIVA DE UNIFICAR A LÍNGUA DE CAMOES NA CPLP


O que vai mudar na ortografia:

- As paroxítonas terminadas em "o" duplo, por exemplo, não terão mais acento circunflexo:
Por exemplo:
"abençôo", "enjôo" ou "vôo",
os brasileiros terão que escrever:
"abençoo","enjoo"ou"voo".

- mudam-se as normas para o uso do hífen.Não se usará mais o acento circunflexo nas terceiras pessoas do plural do presente do indicativo ou do subjuntivo dos verbos:
"crer", "dar", "ler", "ver" e seus decorrentes,
ficando correcta a grafia:
"creem", "deem", "leem" e "veem".


- Criação de alguns casos de dupla grafia para fazer diferenciação, como o uso do acento agudo na primeira pessoa do plural do pretérito perfeito dos verbos da primeira conjugação, tais como "louvámos" em oposição a "louvamos" e "amámos" em oposição a "amamos".

-O trema desaparece completamente.
Estará correcto escrever
"linguiça", "sequência", "frequência" e "quinquênio"
ao contrario de:
lingüiça, seqüência, freqüência e qüinqüênio.

O alfabeto deixa de ter 23 letras para ter 26, com a incorporação de "k", "w" e "y".

- O acento deixará de ser usado para diferenciar "pára" (verbo) de "para" (preposição).

Haverá eliminação do acento agudo nos ditongos abertos "ei" e "oi" de palavras paroxítonas, como:
"assembléia", "idéia", "heróica" e "jibóia".
O certo será:
assembleia, ideia, heroica e jiboia.

Em Portugal, desaparecem da língua escrita o "c" e o "p" nas palavras onde ele não é pronunciado, como em:
"acção", "acto", "adopção" e "baptismo".
O certo será:
ação, ato, adoção e batismo.-

Também em Portugal elimina-se o "h" inicial de algumas palavras, como em "húmido", que passará a ser escrito como no Brasil: "úmido".

- Portugal mantém o acento agudo no e e no o tônicos que antecedem m ou n, enquanto o Brasil continua a usar circunflexo nessas palavras:exemplo:académico/acadêmico, génio/gênio, fenómeno/fenômeno, bónus/bônus.

Uma coisa que não muda, nem nunca mudara com as normas ortográficas são as pronuncias de cada região (pais).

Segundo a Agencia Lusa

quarta-feira, 11 de julho de 2007

Timor, lendas, prosas e narrativas

Este eh um cantinho onde todos podem escrever ou ensaiar escritos, desde as lendas de Timor, prosas do fundo da nossa alma, narrativas ou cronicas da nossa terra.
Aqui podes procurar um estimulo para o teu grande desejo de escrever. Nos seremos por intermedio dos comentarios, os teus criticos literarios, para sempre positivamente, te ajudar.