quarta-feira, 15 de abril de 2009

João Mali o caçador

Enquanto a sua casa não estivera pronta, João e o tio tinham ficado em casa do Liurai. Aí ele já notara os olhares incendiados da rapariga, mas ele sempre evitara qualquer contacto, pois que apesar de ela ser bonita, ele não queria problemas e tinha mais duas razões para isso. A primeira era a imagem de Maria que ainda não lhe saíra do pensamento, a segunda era aquilo que o Liurai lhe tinha dito de o considerar como se um filho fosse. O tio sempre atento, tinha compreendido tudo desde o começo e antes de voltar, recomendou-lhe cuidado com o que poderia acontecer, se ele não evitasse problemas com a Mariana.
Uns dois dias depois de Lei Cassa ter regressado para a sua casa, João dormia, ainda o sol não aquecia o orvalho da noite, e os galos cantavam a medo, com voz de cana rachada. Mariana chegou com um prato de koirambo, um doce Timorense feito de farinha de arroz, e muito apreciado mas de difícil confecção. A moça chegou, espreitou pela janela do quarto onde João dormia e empurrou a porta que nunca estava fechada, penetrando dentro da casa. João acordou, o que acontecia quando algum barulho fora do normal e ínfimo que fosse, acontecesse, mas fingiu dormir, pois calculou quem fosse. A esperança dele era que ela regressasse sem tentar qualquer aproximação, mas isso foi apenas uma esperança gorada nos minutos seguintes.

Mariana entrou no quarto de João, com a mansidão de uma borboleta a esvoaçar, sem barulho, como se os pés agora descalços, não tocassem o chão. O seu coração batia acelerado, pois o sangue que fervia nas suas veias parecia querer sair das próprias veias e transvazar palpitante pelo seu peito apaixonado. Ela nunca pensara que um dia teria coragem de ser ela a querer entregar-se de alma e coração a alguém. Por uma pequena fresta do olho que mantinha fechado, João, viu Mariana tirar a blusa que trazia vestida e percebeu tudo o que se passava, na sua mente, a próxima fase seria tirar a lipa, que é um pano que se enrolado em volta da cintura e que faz de saia, deitando-se de seguida na cama.
João sabia o resto da história de cor e ele não queria problemas. Pensou rápido. Saltou da cama com uma faca que estivera oculta debaixo do chumaço, na mão. O grito que saiu da sua garganta faria gelar de medo qualquer ser humano e quebraria a valentia de qualquer atacante feroz. Mariana deu um passo à retaguarda. O seu rosto inicialmente vermelho de excitação, tornou-se em segundos branco como a cal, e o seu coração quase parou de terror.
Num ápice, João que saltara para o chão, já estava de novo em pé em cima da cama, olhando com aspecto de doido em direcção de Mariana. Esta agarrou na blusa, que tinha deitado para chão e saiu disparada porta fora, saltou os três degraus da escada e perdeu-se no meio do capim que ladeava o caminho para sua casa. João teve pena dela, mas principalmente teve pena dele próprio por não poder fugir à maldição que tinha caído sobre ele e que fazia com que as raparigas fizessem dele não o conquistador, mas o ente a ser conquistado.
Nessa manhã João preparou, alguma carne seca e batar uut, que é o milho feito em pó depois de ter sido torrado e que muitas vezes se mistura com amendoim ou coco também ralado. Este preparado é tradicionalmente o farnel de viagem do Timorense, juntou-lhe o koirambo que a Mariana tinha trazido, meteu alguns bens mais necessários no kohe, género de saco, feito com a urdidura da folha de palapeira seca, aprontou também as suas armas de caça, soltou o outro cavalo e saiu com a ideia de só voltar daí a uma semana.
"in Timor na senda do mítico"
mco

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