segunda-feira, 10 de agosto de 2009

O carro Suzuki 500 e a Aqua Velva


Foi no mês de Fevereiro ou Março do ano de l975 que comprei a uma professora do Liceu de Dili, um automóvel de dois lugares com um motor a dois tempos, da marca Suzuki e com uma cilindrada de 500 c.c.. Era como se fosse uma motorizada toda fechada por uma bonita e bem desenhada carroçaria, de pintura metálica. Era o único carro desta marca em Dili e também o único que eu vi em toda a minha vida.


Com o Golpe anti-comunista de 11 de Agosto, tudo se modificou e ao deixar Dili em direcção a Atambua, onde fiquei uns meses como refugiado, tive que o abandonar, em frente de minha casa. Regressei a Dili no dia 1 de Janeiro de 1976, procurando família de quem não tínhamos notícias e por motivos imprevistos, não pude regressar a Atambua, como era a minha vontade.


Procurei no sítio onde tinha deixado o pequeno carro, mas nem rasto de pneus havia no chão, e pensei que tivera o mesmo destino de dezenas de viaturas que embarcaram nos barcos de transporte de tropas em direcção de Jakarta.


Um dia numa das ruas desertas de Dili, para meu espanto, vi a pequena viatura rolando, guiado por uma mulher Indonésia que estava a Administrar o Hotel Resende e o Hotel Dili, em nome dos Generais, tubarões do Exército Indonésio.


Desloquei-me então ao comando das forças Indonésias e onde fui recebido por um Major. Expliquei-lhe em Inglês aquilo que pretendia e o mesmo, mostrou-se compreensivo, mas comentou no seu péssimo Inglês, que a viatura estava requisitada para fins militares e que quando não precisassem dela a devolveriam. Insisti com ele de que eu precisava da viatura. Por fim fez-me uma proposta de venda. Dar-me-ia dois sacos de arroz (cerca de duzentos quilos) como pagamento pelo carro, mas vendo a minha indignação, para me acalmar prometeu ir falar com o Comandante e que depois me informava da decisão deste.


Convencido que ali não resolveria o problema a meu favor, resolvi fingir que aceitava a sua resolução e quando me despedi, o Major na intenção de me cativar disse:
- Gosta de vinho? – E continuou: - E que eu tenho ali vinho. Já bebi uma garrafa, mas francamente não gostei porque sabe mal. Se quiser eu ofereço-lhe.


Dito isto, entrou naquilo que me pareceu ser o seu quarto e voltou com uma caixa com doze garrafas de Aqua Velva azul, onde letras pequenas por debaixo do nome do produto diziam “After shave”. Como numa pequena vingança, em nome da minha frustração, respondi:
- Você não gosta? Eu quero, dê cá. Mas olhe que este vinho é um dos melhores do mundo e muito caro. – O bom do Major quando ouviu dizer que era muito caro, rapidamente voltou a trás com a oferta e pôs a caixa de Aqua Velva, de novo, a salvo dentro do seu quarto. Nesses momentos eu aproveitei para dizer, enquanto saia rapidamente do seu gabinete:


- Continue bebendo que um dia há-de gostar.


mco

in "retalhos de uma vida em Timor"

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