sábado, 21 de julho de 2007

Uma Lenda verdadeira


Num dos pontos mais altos do reino de Buburssusso, a mais de mil e quinhentos metros de altitude e empoleirada no pico de uma montanha, fica a povoação de AITUHA.
Fortaleza natural, rodeada de penedos que a defendem como se fosse um castelo medieval, a povoação como todas as outras desta zona, e um aglomerado de casas feitas de bambu, que apenas difere das demais porque e a residência de uma lenda viva, única em Timor.

Desde muito cedo me apercebi que o povo de Buburssusso era diferente do restante povo dessa zona, principalmente pela tonalidade da sua pele. O Liurai Funo Berek era homem para os seus sessenta e tal anos, mas apesar da sua idade ainda corria a cavalo, como se fosse um homem de quarenta.
Sabedor que existia ali uma mistura de sangues procurei saber, mais por curiosidade, de onde lhes vinha essa mestiçagem.
Interrogado mostrou-se evasivo, e começou por dizer que o seu povo era mesmo assim, que como rezava a historia tinham vindo de We Hali, We Sei, We Bico e We Tama, e bla, bla, bla, que fingi acreditar. Tentei então novos caminhos e de pergunta em pergunta fui cercando a verdade, ate que sem maneira de fugirem a ela, me propuseram uma visita a povoação de Aituha.

Porque a povoação de Aituha, perguntei? A resposta foi simples e desconcertante: Foi ali que tudo começou.

Fomos a cavalo porque ainda era longe de Oro Lora, local onde nos encontrávamos e depois de um aprazível passeio por entre hortas e plantações de bambus, começamos a subir ladeados de pedregulhos para a povoação de Aituha.
Como nesta zona se fala o Lakalei um ramo da língua Idalaca, que eu a não sei falar tive de usar um tradutor do Lakalei para o Tetum.
O chefe da povoação era um antigo soldado do esquadrão de cavalaria de Bobonaro, de seu nome João Freitas, que logo se prontificou a ajudar-nos
no nosso objectivo, e nos levou directamente, com um aparente sentimento de alivio para junto de um “lian nain”.
Este era um homem bastante alto, mais alto do que a media Timorense, de pele branca com bastantes sardas no rosto, olhos claros, e cabelo já branco mas com aspecto de ter sido alourado.
Se era estranho o facto de encontrar no alto desta montanha perdida no interior de Timor uma pessoa como esta, mais estranho seria talvez o como isso teria acontecido.
Depois de uns momentos de estupefacção as perguntas começaram a afluir a minha mente em catapultas e tive de fazer um esforço para controlar a minha ânsia de saber.
O povo de povoação começou a pouco e pouco a sair das suas casas e a juntarem-se a nos e pude constatar que olhos claros e pele com sardas alem de cabelos alourados não eram só os do velho lian nain. Raparigas que eu nunca vira e velhotas todas elas apresentavam fortes indícios de mestiçagem. E aqui começa a LENDA.

“Tempo houri uluk.....” E começou tudo de novo, viemos do We Hali We Bico ......bla.....bla....bla.....Tive que cortar e explicar que não era essa a historia que eu queria ouvir, mas o porque da diferença racial entre o povo de Aituha e do resto de Timor. Então muito a custo a Historia tornada lenda saiu das brumas do passado, um passado que essa mesma lenda procurava desesperadamente esconder.

“Certo dia as mulheres foram buscar agua a nascente que havia por debaixo da povoação a uns dez minutos a pé, e quando lá chegaram viram no fundo da nascente uns espíritos de pele branca. Com medo fugiram, mas os espíritos chamaram-nas e a pouco e pouco elas foram-se aproximando de novo. Quando olharam novamente para esses espíritos eles riram para elas e elas ficaram também com os cabelos os olhos e a pele da mesma cor da dos espíritos.”

Era a LENDA VERDADEIRA, pois que lenda era ela e verdadeira também.
Era bem visível aquilo que os espíritos de pele branca tinham feito.
Essa era a verdade.

Fiquei na duvida se seria honesto da minha parte aprofundar mais o problema uma vez que esta lenda nascera por ventura de uma necessidade de ocultar a realidade dos factos.

“Viagens por esse Timor fora”
Manuel Mau Kruma






6 comentários:

Anónimo disse...

É a primeira vez que acedo a este Blog.
Parabéns pela sua idealização.
Parece-me que cobre um espaço em que não havia registo, já que o “Timor de Norte a Sul” trata apenas de poesia.
Espero que se situem na linha da prosa intimista e que á semelhança da escrita da Ângela Carrascalão nos retratem o Timor profundo, longe das “bagunçadas” da politica de Dili. Aquele Timor que, afinal, todos amamos!
Expatriado.

Anónimo disse...

Caro expatriado:

Claro que por amar a minha terra nao deixarei neste blog nada como politica, nem politiquices e muito menos "baguncadas".
Volte sempre, e quem sabe se nao tera algo que contar sobre a sua experiencia (agri-doce)desta terra impar "kiak maibe hau nia rai".
Um abraco.

Mau Lear

Anónimo disse...

Porque comparar com o Timor do Norte a Sul? Cada blog tem o seu lugar ao sol. Já li prosa na Timor do Norte a Sul!. O Timor do Norte a Sul conseguiu manter-se isento e luta com participacão das pessoas. Muitos leitores quiserama politisar o blog mas va lá o Maracujá Maduro tem-se aguentado.

Acha que vai fazer milagre para atrair a participação ?

Manecas de Fatu Hada

Mau Lear disse...

CARO MANECAS de Fatu Hada

Para mim pessoalmente acho o blog "Timor do Norte a Sul" um trabalho muito positivo, e sou um assiduo leitor desse Blog.

Nao desejo nem por sombras fazer concorrencia a ninguem, mas apenas dar a folha de papel a quem quizer escrever, PROSA, NARRATIVAS OU MESMO LENDAS.

O nivel cultural a atingir sera aquele que os leitores e escritores quizerem.

Quanto a participacao esperemos pelo milagre, pois que vou lutar por ele.

Um abraco, participe sempre


Mau Lear

Anónimo disse...

Parabéns pelo blog. Adoro histórias de Timor. Infelizmente fui evacuado de Dili dia 4 de Abril, com dengue. Agora toda a gente aqui em Portugal me assusta, pois diz que quando voltar este ano (como estou à espera) vou "esticar o pernil" com dengue hemorrágico. Alguém me pode esclarecer, sobre esta doença lá de Timor ?
Augusto Lança (professor FUP-UNTL)

Anónimo disse...

Se estás em Portugal, o sítio onde deves ir é ao Instituto (?) de Medicina Tropical, dizem que é dos melhores do mundo (resquícios do colonialismo). Fica na Junqueira, em Lisboa. Essa do “pernil” são tretas, o dengue hemorrágico só leva à morte em casos extremos.