segunda-feira, 27 de agosto de 2007

UMA VIAGEM DE CAMIONETA PELAS MONTANHAS DE TIMOR


A viagem foi longa e perigosa.
As estradas, se assim se poderiam chamar esses caminhos pedregosos e cheios de buracos, serpenteavam montanha acima, em apertadas e perigosas curvas, flanqueadas por profundas e abruptas encostas. A camioneta uma velha Bedford conduzida por um velho condutor chines arquejava estrada acima e eu, tinha a sensação de que ela, era mais larga do que a estrada. A grandeza abrupta da paisagem tornava-nos seres minúsculos e desprezíveis mas valentes, pela coragem que era necessária, para conduzir um pedaço de ferro enferrujado, como o fazia o condutor china e pelos que sentados ao seu lado se agarravam desesperados a qualquer apoio, na esperança de que, se algo de errado acontecesse, seria essa a salvação.
O padre que ia sentado do lado de fora, (eu sentava-me entre ele e o condutor) dava-se ares de valente e, apesar do seu sorriso ser amarelo, gozava à grande, do ar pálido do meu rosto. Eu tinha o meu estômago transformado num novelo de linhas, mas, o próprio medo fez-me reagir e repararei então que o padre em diversas ocasiões punha a mão perto do manípulo da porta, preparado para o pior. O auge de toda esta epopeia, foi quando numa subida de quase noventa por cento, surgiu uma curva em cotovelo, onde o velho veículo teria de fazer manobra, porque a amplitude do arco descrito pelas rodas não chegava para completar a curva. Do lado esquerdo da estrada, a bocarra negra do precipício, parecia esperar que a atracção pelos abismos, produzisse efeito e pagasse a portagem pela nossa coragem e atrevimento. A velha Bedford parou num inverosímil e precário equilíbrio, com todos os travões accionados. Lentamente, o experiente condutor, começou a deixá-la descair em marcha-atrás na direcção do abismo, para depois numa manobra rápida e arrojada arrancar de novo, conseguindo completar o quase circulo da curva, roçando ainda com o guarda-lamas do carro nas faldas da montanha. Eu estava aterrorizado, mas o padre, estava mais pálido do que eu, tinha os lábios a tremer, como se estivesse a rezar, é que estando à janela da camioneta via lá nas profundidades dos penhascos, os contornos do fundo do inferno.
Depois de muitas curva e contra curvas de arrepiar, chegámos por fim ao alto da cordilheira. O ar era fresco e tornava a respiração ofegante. O carro parou como que para tomar de novo alento para o resto da viagem. Tinha aquecido demais, dizia o meu herói, que era sem dúvida o velho condutor chinês. Estávamos quase no topo de Timor. Deste local apenas se avistava os sopés e encostas das montanhas escaladas, e se em baixo nos sentíramos pequenos, cá em cima, sentiamo-nos verdadeiramente impotentes para compreender como poderia tanta grandeza existir sem o espírito de Deus. Para cima de nós pouco mais haveria.
Depois foi a descida. Vales, viçosos e verdejantes, hortas bem cuidadas como só o sabem fazer os povos das montanhas, ribeiras sem pontes, onde a camioneta qual gigantesco sáurio mergulhava resfolegando, deixando o meu coração pequeno de medo, descidas algumas vezes medonhas, mas até Dili nada mais foi como a subida das montanhas que tínhamos feito anteriormente.
- Tiveste medo da subida? –Perguntou-me o Senhor padre, já mais senhor de si.
- Muito medo! – Anui eu com vontade de lhe dizer que o meu medo e o dele tinham sido iguais.
- Então estás com sorte porque a descida daquelas montanhas é muito pior que a subida.
Fiquei calado pois que recapitulando mentalmente o que tínhamos subido, achei que ele teria forçosamente razão.
Ao fim de quase cinco horas de ser amassado dentro do monstro de chapa que nos transportava, chegámos ao alto de uma montanha donde se via o mar e Dili. O Senhor padre pediu ao condutor que parasse, com o intuito de urinar no meio do mato.
Desci do carro e reparei então. Em baixo junto do mar a cidade espionava por entre as folhagens de frondosas e milenárias árvores, qual donzela envergonhada, em demanda do seu bem amado. Não se podia ter uma noção real da sua grandeza mas a planície por onde se espraiava era bastante extensa. Bem perto do mar e destacando-se dos outros edifícios, estava um que pela sua altivez, se impunha, era o palácio do Governo. Um pouco mais à frente e mais para a esquerda estava o cais que primava nesse momento pela ausência de qualquer barco.
Dili vista de cima, não era nem por sombras tão bonita como era na realidade.
Continuámos a descer e passámos por um grande tanque de água que parecia uma piscina. O Senhor padre disse-me então que, um pouco mais para cima desse local, ficava o Seminário que eu talvez um dia viesse a frequentar. Descemos, descemos sempre pela estrada de terra batida até que já se sentia o cheiro da cidade. O primeiro contacto com a Praça, como era uso chamar-se a Dili, foi quando chegámos ao que o Senhor padre me explicou ser o palácio do Governador. Era lindo, com um grande tanque de água mesmo em frente. O edifício tinha dois torreões, um de cada lado da entrada que era servida por uma escadaria descendo para o Jardim. O Palácio estava pintado de branco e a sua alvura contrastava com o verde das folhas e o vermelho das acácias que o circundavam. Mesmo por cima da porta o escudo Português, que eu tinha estudado na quarta classe e por cima deste a bandeira de Portugal.
O palácio era rodeado por jardins e um gradeamento que terminava na casa da guarda com dois grandes portões em ferro. Tudo isso era bem diferente dos locais onde eu nascera e me criara!

(in “Buan”)

mco

2 comentários:

Anónimo disse...

Que inveja não saber escrever assim!

Anónimo disse...

Caro amigo anonimo!

Parece que jogamos na mesma equipe, pois aquilo que voce sente e o mesmo que sinto quando leio outros autores consagrados.

Faca como eu, tente que o escrever vem do ler e do tentar!

Um abraco

mco