sábado, 16 de abril de 2011

CERTEZAS E DÚVIDAS

Uma das minhas interrogações é sobre a resposta que durante anos ouvi à minha pergunta, “de onde veio o seu povo?”

Essa pergunta foi formulada aos “Lian Na’in” dos povos, quer Mambae, Bunak, Tétum ou mesmo Lakalei e a resposta era invariavelmente a mesma: Wéssei, Wéhali, Wéwiku.

Levei muitos anos a tentar compreender estas afirmações que contrastavam com aquilo que nos era ensinado pelos estudiosos quando nos falavam sobre migrações e da chegada a Timor de grupos papuas, cerca de sete mil anos antes de Cristo e austronésicos, cinco mil anos depois.

À pergunta de onde se encontravam esses lugares, era informado que apenas sabiam o nome dos locais, mas desconheciam a sua localização e mesmo aqueles que tentaram dar-me alguma informação, indicaram-me locais situados bem longe da realidade.

Como admitir que povos tão diferentes nas suas características raciais e linguísticas tivessem todos o mesmo local de nascimento?

A resposta dada por esses guardiões da tradição oral era de tal forma convincente que apesar de sabermos que essas populações tinham imigrado de outras paragens, ficávamos sem compreender o porquê de serem Wéhali, Wéssei, Wéwiku locais comuns a todos eles, nas suas memórias faladas.

O que mais me destroça hoje, é que sem ter a noção de que isso me estava a acontecer, estive em Wéhali, por mais de uma vez, e só agora tenho a consciência frustrante dessa ironia. *

Se procurarmos na pouca história escrita das épocas anteriores à chegada dos Portugueses, algo que nos possa fazer um pouco de luz sobre a organização social e politica dos muitos povos que habitavam toda a ilha de Timor, iremos encontrar ainda que pouco definida, algumas estruturas que nos podem ajudar a compreender ainda que um pouco a juízo, aquilo que foi e como rodava a vida nessa ilha.

A lenda do crocodilo que se transformou na ilha de Timor, não é a única resposta que as mentes simples dos habitantes desta ínsula deram a si próprios para explicarem “o Génesis”.

Outra lenda, esta não tanto vulgar, é aquela, em que a Criação da Terra, quando tudo era apenas água, aconteceu num local que depois se tornaria no centro de Timor e mesmo do Universo.

Na primeira terra a emergir das águas, surgiu um buraco perto do qual nasceu uma Ficus benghalensis, ou banyan tree. Essa abertura era como o umbigo do Mundo e daí saíram todos os seres que o vieram a povoar.

Esta segunda lenda, não tão conhecida como a primeira, diz que o Reino de Wéhali foi o tal umbigo onde se deu o Génesis de toda a humanidade.

È fácil ligar a ficção ao nome de Wéhali pois que em tétum língua dessa região, Wé significa água e hali é o nome dado ao Gondão ou seja o Banyan tree.

Será que foi essa lenda, uma das razões, para que esse lugar perdure na memória de todos esses povos como a origem das suas existências?

Por outro lado:

Se nos debruçarmos sobre o pouco conhecimento histórico e oral, referente à hegemonia do reino de Wéhali sobre todos os reinos de Timor, iremos ao encontro de algumas conjunturas, dúbias na verdade, mas que podem servir de base para verdades confirmadas.

Temos por exemplo notícias dadas pelos Jesuítas que por volta dos séculos VII ou VIII, portanto, informações de memórias orais colhidas pelos mesmos no local de Oé Cussi, que nas praias de Lifau, vindos do Reino de Wéhali, apareceram cinco indivíduos de nome Tá’e Baria, Liurai Sila, Somba'i Sila, Afo'an Sila e Benu Sila que aí se separaram, depois de terem dividido entre si a ilha de Timor. Confirmando o dito de que onde há fumo há fogo, em 1522 quando da passagem de Fernando Magalhães por Timor na sua viagem de Circum-navegação, António Pigafetta que seguia na expedição como estudioso de fauna flora e costumes dos povos por onde passavam refere a existência de quatro grandes reinos cujos reis eram irmãos e que eram Suai e Kamenassa, Likusaen (Liquiçá) e Oibich (Wéwiku) por intermédio de quem os pequenos Reinos situados a Leste da região dos Belos, prestavam suserania ao reino de Wéhali.

A Língua Tétum unia o reino suserano, a todos os reinos da região dos Belos, até Batugadè/Balibó e prolongava-se na costa Sul, pelos reinos de Suai e Kamenassa até ao reino de Luca.

Se repararmos no mapa em cima, verificamos que à representação vermelha nesse mapa, (língua Tétum), junta-se o reino de Likusaen (Liquiçá) tradicionalmente por razões familiares ligado a Wéhali e que fechava ao Norte o cerco da hegemonia desse reino.

A destruição do reino de Wéhali por volta do ano de 1642, segundo o Livro de S. Domingos, por forças de Tupases, ajudados pelos reinos convertidos ao Cristianismo e debaixo da chefia dos frades Dominicanos, dá-nos mais dados que permitem avaliar o tempo aproximado do predomínio desse reino sobre os outros reinos de Timor. Acreditando na informação deixada pelos Jesuítas que falam dos séculos VII e VIII até à data da destruição de Wéhali em mil e seiscentos vão por volta de dez séculos. Se por acaso nos reportarmos às notas de António Pigafetta de 1522 temos outra realidade que nos dá essa hegemonia com pelo menos, um século de duração. Essa autoridade sobre os restantes reinos da Ilha, poderá pois circunscrever-se entre um a dez séculos, apesar da influência na ilha de Timor, dos reinos islames e budistas de Kediri e Majapahit entre 1049 e 1527.

Depois de todo o exposto, ficam duas opções para justificar que todas essas populações indiquem Wéhali, Wéwiku e Wéssei como locais das suas proveniências:

A lenda da criação do Mundo com o “Génesis” em Wéhali, ou a supremacia política e ritual desse reino, durante séculos, sobre esses povos. Será alguma destas, a resposta para a grande dúvida?


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mco

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